Viver o pós-parto e os seus desafios 

Depois de meses a gerar um pequeno ser, a sonhá-lo e a planear a sua chegada, a gravidez chega ao seu desfecho, nasce o bebé e inicia-se o período do pós-parto. Se os desafios da gravidez para a mulher acabam por ser mais notórios ou visíveis, e por isso globalmente (re)conhecidos, nem sempre o mesmo se verifica no pós-parto.

Quando estava grávida e pensava no depois de o bebé nascer, o foco geralmente estava no bebé, em conhecê-lo, garantir os preparativos para a sua chegada, saber se estaria à altura do papel de mãe. O foco não estava, portanto, em mim. Mas o tempo, a procura de informação e as pessoas que me acompanharam no percurso da gravidez trouxeram-me as reflexões sobre o pós-parto enquanto uma enorme e complexa transição para mim, em todas as dimensões. E agora, depois de o viver, reconheço o quão desafiante o pós-parto pode ser.

Por esse e outros motivos, este artigo procurará ajudá-la a refletir sobre os desafios do pós-parto e a empoderar-se de estratégias para os viver de forma mais saudável. 

O que é o pós-parto ou puerpério?

Tal como o próprio nome indica, o pós-parto, também designado de puerpério, é o período que se inicia após o parto e se estende até seis a oito semanas depois. Nascendo o bebé e após a saída subsequente da placenta, inicia-se então este período de pós-parto. Há também quem considere a fase do pós-parto e os primeiros 3 meses de vida do bebé como um 4.º trimestre, de forma a salientar a ideia de continuidade, já que é uma fase em que bebé e mãe vivem uma relação ainda muito simbiótica, e em que o recém-nascido ainda não está adaptado à vida extrauterina. 

O parto aconteceu, e um bebé nasceu. Um ser pequenino, indefeso, e no qual de repente todas as pessoas se focam, sobretudo a mãe. Consequentemente, esta fica um pouco esquecida, e as atenções voltam-se para o recém-nascido. No entanto, também a mãe acabou de (re)nascer.

Li já por diversas vezes a frase “quando nasce um bebé, nasce também uma mãe” e terei de concordar e subscrever. Na gravidez sabemos que nos estamos a tornar mães e que a chegada do bebé vai ser incomparável com qualquer outra mudança na nossa vida, mas nada nos prepara para a transformação avassaladora que, de repente, acontece em nós. É, de certa forma, um renascimento. E (re)nascer é um processo cansativo e extenuante. Belo, sem dúvida, mas também doloroso. E é preciso, urgente até, reconhecer esta dimensão mais difícil e desafiante, tornar visíveis os desafios e partilhá-los, porque o silêncio é muitas vezes opressor e agrava as dificuldades, fazendo-as parecer únicas e irrepetíveis, disseminando a culpa e o “só eu é que estou a viver isto desta maneira” ou o “não é normal”. 

O pós-parto e um corpo em transformação

Mudança não é algo que fazemos, é algo que nos permitimos.

Will Garcia

No pós-parto temos uma mulher que acabou de parir, que acabou de passar por um processo muito exigente do ponto de vista físico, que interferiu e mexeu com praticamente todos os órgãos e sistemas do corpo. O corpo da mulher sofreu alterações brutais durante a gravidez e bastante bruscas no momento do nascimento do bebé. Importa lembrar que foram cerca de 40 semanas em que o corpo se transformou e adaptou para acomodar um novo ser a crescer e gerar-se no seu interior e, de repente, em alguns instantes, surge o trabalho de parto e o bebé está cá fora. O corpo tem de reiniciar todo o processo de adaptação, mais uma vez. O corpo do pós-parto não é o mesmo corpo que existia antes da gravidez, ele mudou, e é preciso espaço e tempo para o conhecer e acomodar. Para o permitir recuperar. 

Nos primeiros dias são gritantes as alterações físicas que decorrem diretamente do parto, mas ao mesmo tempo o bebé exige tanto de nós que não há muito tempo ou energia para pensar em mais nada. Lidamos com as dores e os desconfortos associados, da forma que sabemos e com o apoio que nos é dado, nomeadamente na maternidade (bem-dita medicação!). Ao fim de alguns dias é que comecei a olhar de relance no espelho, a aperceber-me de que eu estava ali e a sentir que residia numa espécie de espaço intermédio, em que já não era a grávida que há pouco tempo me olhava do espelho, mas também não era o corpo anterior à gravidez que eu via. A barriga não se sobressaía, mas também não estava lisa, e na minha cara despontava um acne que nem na adolescência conheci. Sentia-me, à falta de melhor palavra, estranha. 

Algumas das mudanças que podem acontecer no pós-parto (para além das óbvias e imediatas, a nível de cólicas, cicatrizes, lacerações, sangramentos, etc.) são:

  • Alterações na barriga e abdómen, desde a “barriguinha” de pós-parto até à diástese abdominal;
  • Edemas e inchaço;
  • Secura vaginal / pouca lubrificação;
  • Perdas de urina; 
  • Prisão de ventre;
  • Alteração no tamanho e sensação das mamas;
  • Acne e outras alterações ao nível da pele;
  • Queda de cabelo.

As mudanças ocorrem de forma diferente de mulher para mulher e também serão sentidas e vividas de forma única e particular. No entanto, é sempre um desafio lidar com um corpo em mudança. Alguns fatores poderão tornar este desafio mais ou menos exigente, tais como a relação que tínhamos previamente com o nosso corpo, ou a rede de apoio que temos ao dispor. Se a nossa autoestima durante a gravidez já era frágil e se já tínhamos uma relação difícil com o corpo, esta fase poderá ser ainda mais desafiante, agudizando o que já antes não era pacífico. Se temos pessoas que nos apoiam, que ajudam à nossa recuperação e que nos fazem sentir bem, isso poderá amenizar em muito os desafios vividos. 

Acima de tudo, é importante compreender que o corpo está em processo de recuperação e mudança, honrar o seu enorme feito e entender que, sem ele, não teríamos este ser que tanto amamos ao pé de nós. Afinal, foi este corpo que gerou e criou cada pedacinho deste bebé, que foi capaz de formar cada osso, cada órgão, cada pequeno milagre!

O pós-parto e as alterações emocionais 

É justo que muito custe, o que muito vale.

Santa Tereza D’Ávila

Os desafios do pós-parto vão muito além de um corpo que se transforma: há uma mente também em profunda mudança. Poucas coisas trarão uma avalanche tão grande de emoções como o pós-parto. A conjugação da mudança gigante que é receber um bebé nos braços, que agora depende de nós para tudo e que amamos de uma forma que chega a doer, com as alterações hormonais ao rubro, cria o terreno fértil para uma montanha-russa de emoções. Nem todas fáceis de gerir, e nem todas positivas ou agradáveis.

Não esqueçamos também a exigência que é cuidar de um recém-nascido, e os efeitos que o cansaço e a privação de sono podem ter na nossa regulação emocional. Dificilmente alguém estará equilibrado quando não dorme e descansa mal. 

Por tudo isto, aceitemos e abracemos esta verdade: por muito que tenhamos desejado aquele bebé e que o amemos mais do que tudo, não vamos estar sempre felizes. Às vezes, vamos mesmo estar tristes, desesperadas, ansiosas e angustiadas. E está tudo bem, é natural, real, e diria mesmo que universal. Reconhecer isto pode ajudar mais do que se possa imaginar. Porque, pelo menos, sabemos que não estamos sozinhas. E que é normal. 

É normal amarmos o nosso bebé, mas também não sabermos, às vezes, o que fazer com esse amor. É normal num momento sentir que nascemos para ser mães e que este é o papel onde melhor nos sentimos, e no momento a seguir questionarmos todas as nossas escolhas e acharmos que não somos capazes. A dualidade e pluralidade de emoções e pensamentos é normal. Porque nada nos exige tanto quanto isto. E, ao mesmo tempo, possivelmente nada valerá tanto a pena. 

As primeiras semanas de pós-parto, no meu caso, foram preenchidas com grande medo e ansiedade, porque tinha a minha bebé, que nasceu prematura, internada. Achei, por isso, que depois de passado esse susto, depois de viver algo tão esmagador a nível emocional, viveria só a felicidade de a ter bem e saudável ao meu lado. Mas a verdade é que também eu passei pela montanha-russa de emoções que tanto caracteriza o pós-parto. Dei por mim a chorar muito em momentos em que tudo estava aparentemente bem. Dei por mim a questionar-me, a angustiar-me, a zangar-me. A ter emoções que não compreendi e a sentir-me por vezes culpada por as ter. Até aceitar e compreender o quão normais eram, afinal, estas emoções tão aparentemente absurdas. E perceber, através de outras mães, que não estava sozinha, ajudou muito. 

É comum que na fase do pós-parto aconteça o chamado baby blues ou blues do pós-parto. Caracteriza-se por uma fase de hiperemotividade e fragilidade, com sentimentos de falta de confiança e até alguma tristeza, que atinge a grande maioria das mulheres, mas que se dissipa nos primeiros quinze dias a um mês. Os sintomas deste blues do pós-parto incluem mudanças de humor, irritabilidade, choro, problemas de sono, cansaço, tensão e sentimentos de inadequação. 

Apesar de ser importante reconhecer que essas alterações são normais, também é muito importante reconhecermos os sinais de alarme e sermos capazes de identificar a fronteira entre o normal e o patológico, para que possamos procurar ajuda o antes possível, e não agravar o problema. Alguns sinais de alarme que podem sinalizar uma depressão pós-parto são:

  • Os sintomas iniciam-se mais tarde e perduram no tempo, sem sinais de amenizarem ou se dissiparem; 
  • Dificuldade acentuada em estabelecer um vínculo com o bebé; 
  • Dificuldade ou incapacidade em ser funcional e realizar as tarefas do dia-a-dia; 
  • Perda acentuada de interesse ou prazer nas coisas que antes eram fonte de satisfação;
  • Falta de energia e cansaço persistentes; 
  • Desinteresse pelo bebé ou ansiedade exagerada pelo seu estado de saúde;
  • Baixa autoestima e descuido acentuado consigo própria;
  • Ideação suicida. 

É importante procurar ajuda perante algum destes sinais e sempre que acharmos necessário.  Quanto mais atempada for a ajuda, melhor e mais rápida será a recuperação. 

O pós-parto e a mudança de identidade e de papéis

Ninguém pode ser escravo da sua identidade: quando surge uma possibilidade de mudança é preciso mudar.

Elliot Gould

Como referi, o nascimento do bebé faz nascer também uma mãe, que agora assume um novo papel, provavelmente o mais importante da sua vida. Assim, um dos grandes desafios do pós-parto é esta mudança identitária, que é tão profunda que nada nos prepara para ela. De um dia para o outro, passamos de filhas a mães. Pese embora esta construção seja feita durante a gravidez, é no pós-parto que ela ganha uma nova dimensão. E de repente, há tantas questões no ar: quem sou e como sou enquanto mãe, como ajusto a mãe que quero ser com a realidade da mãe que sou e da mãe que o meu bebé precisa, como vou gerir as expectativas e ajustá-las à (minha) realidade, quem quero ao meu lado para me ajudar a enquadrar neste novo papel de mãe, que recursos internos é que tenho para me ajudarem a lidar com os novos desafios… Há tanta coisa para questionar e refletir, e este trabalho interno é muitas vezes avassalador e difícil. Mas, no fundo, se nos estamos a questionar, algo certo já estamos a fazer. 

Ser mãe também traz a necessidade de reajustar outros papéis e responsabilidades nas nossas vidas. Como fica o papel de namorada ou esposa, e como fica a relação do casal? E como fica a nossa vida social, onde e de que forma encaixamos os jantares e as saídas, e será que as amizades anteriores fazem todas sentido nos mesmos moldes? Por vezes há aproximações e afastamentos, mudanças na nossa rede relacional, porque agora somos pessoas diferentes. 

E como fica a nossa identidade profissional, como ajustamos a carreira, o trabalho, ao novo papel de mãe, que é tão absorvente e que coloca muita coisa em perspetiva? Vamos estar afastadas, e por quanto tempo? Como planeamos o regresso? Queremos fazer as mesmas coisas e da mesma forma? E isto não se coloca apenas em relação ao nosso trabalho, também faz sentido em relação aos hobbies e atividades que faziam parte da nossa vida. Acabamos, muitas vezes, a reequacionar e a ter de ajustar as coisas. 

Há algo muito simples e corriqueiro, mas que me parece um bom exemplo de como tudo precisa de se reajustar neste pós-parto, que é o meu gosto pela leitura. Ler para mim é muito importante e prazeroso, e sempre li muito. Lia um livro numa semana, às vezes mais do que um. Agora, no pós-parto, vejo-me a carregar o mesmo livro durante semanas, meses – às vezes para ler só uma página quando o tempo, a paciência e a concentração o permitem! 

Estratégias para os desafios do pós-parto

Ao falar de todos estes desafios não pretendo, de todo, assustar as futuras mamãs! Pelo contrário: pretendo que se sintam acolhidas, compreendidas e, sobretudo, empoderadas. Que possam, de alguma forma, sentir-se mais preparadas para a viagem da maternidade e para viver o pós-parto da forma mais saudável possível.

Para isso, deixo também algumas estratégias que acredito poderem ajudar a navegar estes desafios:

  • Tentar encontrar um equilíbrio e um espaço “além-bebé”, compreendendo que nasceu a pessoa mais importante da nossa vida, mas que, para todos os efeitos, é uma pessoa, com toda a sua individualidade, e que nós continuaremos a existir para além dela. Pensemos: quando o meu bebé crescer, o que será e restará de mim? Quem sou eu para além de mãe? Quem somos nós enquanto casal, para além de pais? Procurar encontrar tempo para existir na individualidade e também enquanto casal é muito importante e saudável. Procurem encontrar tempo a dois e tempo individual, desde início, dentro dos possíveis e de forma gradual e equilibrada;
  • Gerir a culpa e perceber que não é suposto sermos capazes de tudo, que não existe perfeição e que somos exatamente a mãe que o nosso bebé precisa, ele não escolheria nenhuma outra. Os bebés não trazem livro de instruções e a maternidade é um “trabalho” que só se aprende fazendo, o que implica também aprender errando, e está tudo bem. Se nos questionamos, se ponderamos fazer melhor, então estamos certamente a fazer o melhor trabalho possível; 
  • Permitirmo-nos a nós e ao nosso corpo a recuperar, a seu tempo, o que implica encontrar tempo para descansar e alimentarmo-nos como deve ser. Retomar a atividade física também pode ser importante e ajuda na recuperação, quer física quer mental, mas é importante fazê-lo de forma gradual e com acompanhamento de profissionais especializados. O médico deve avaliar para verificar se pode ser retomada a atividade física. Posteriormente, um/a personal trainer com conhecimentos em gravidez e pós-parto e um/a nutricionista podem também ser ajudas valiosas; 
  • Tentar lidar com as noites mal dormidas, nomeadamente: estabelecendo a rotina e os horários possíveis e que melhor funcionem para a família e para o bebé; tendo atenção às necessidades do bebé para o manter calmo e relaxado; ter um intercomunicador ou monitor para bebés; procurar descansar quando o bebé descansa, sempre que for possível; dividir entre o casal o tempo com o bebé para que o outro possa descansar; 
  • Criar uma boa rede de suporte e não ter vergonha ou receio de pedir ajuda. Afastar a tendência de querer fazer tudo sozinha e de achar que tem de ser autossuficiente e não precisar de ninguém: nada mais errado! A mãe cuida do bebé, mas quem cuida da mãe? Toda a ajuda pode ser bem-vinda, porque nos primeiros dias e semanas precisamos de ter tempo e energia para nós e para o bebé, o que implica deixar para segundo plano coisas como cozinhar ou fazer as tarefas domésticas; 
  • Confiar mais nos instintos enquanto mãe e menos nas críticas e opiniões das outras pessoas. Toda a gente parecer ter uma opinião ou um parecer sobre cada aspeto, e é importante ser filtro e não esponja, isto é, não absorver o que vem de fora, mas sim filtrar, ficando apenas com aquilo que nos serve. Ninguém conhece a nossa realidade familiar e o nosso bebé como nós;
  • Ter abertura à mudança e flexibilidade, para ajustar expectativas e perceber que nem tudo será como tínhamos inicialmente pensado, e que quanto mais nos conseguirmos ajustar para acomodar novas necessidades, melhor; 
  • Pensar o regresso à vida social, aos hobbies e ao trabalho de forma gradual, para que o stress não nos atinja todo de uma vez. Contar com a rede de suporte, comunicar com o/a parceiro/a e encontrar a forma de voltar que mais nos faça sentido;
  • Reconhecer, acolher e aceitar as emoções, mesmo as mais difíceis ou desafiantes, compreendendo que são legítimas e válidas e que há espaço para podermos sentir tudo. Todas as emoções são válidas, o importante é o que escolhemos fazer com elas;
  • Fazer terapia! Pode ajudar muito no reajuste das vivências e na integração de todos estes desafios, o que consequentemente nos vai ajudar a sermos não só mães melhores, mas também pessoas melhores;
  • Procurar encontrar outras mães com quem possamos fazer partilha de experiências e desafios.

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