Se a gravidez traz consigo inúmeras mudanças e transformações, estas não terminam quando o bebé nasce; pelo contrário, acrescem desafios. O período do pós-parto é particularmente desafiante, de diversas formas: as alterações hormonais, as rotinas que se alteram por completo pela exigência do cuidado a um recém-nascido que é totalmente dependente, a exigência da amamentação, entre outros aspetos. Consequentemente, também a dimensão da sexualidade sofre transformações neste período do pós-parto.
Neste artigo, ajudaremos a compreender quais os desafios e mudanças no sexo no pós-parto e que estratégias podem ajudar a viver a sexualidade neste período de uma forma mais saudável e tranquila.
Quando e como retomar o sexo no pós-parto?
Retomar o sexo no pós-parto é uma experiência diferente para cada mulher e casal. Se para algumas mulheres a perspetiva do sexo no pós-parto pode ser assustadora, para outras pode ser algo muito esperado e desejado.
Não existe uma regra que indique o que é normal ou anormal ou um timing certo que defina quando é que o sexo no pós-parto pode ou não ser retomado. Tudo vai depender da experiência de cada mulher e casal, e diferentes fatores terão o seu papel, desde aspetos físicos, até às próprias atitudes face ao sexo e à disponibilidade para o mesmo depois de se ter um bebé. O corpo pode estar ou não preparado, mas a mente também assume um papel de grande importância.
A nível físico, os fatores de risco que podem fazer com que o sexo no pós-parto (sobretudo com penetração) cause algum desconforto incluem o parto de cesariana, o parto vaginal com fórceps e/ou ventosas, a laceração vaginal e a amamentação (que provoca alterações hormonais que podem fazer com que não haja tanta predisposição para o sexo).
A decisão de voltar a ter sexo no pós-parto dependerá do que faz sentido para cada mulher e para cada casal. Geralmente, os profissionais de saúde sugerem esperar até seis semanas após o parto, já que durante esta fase podem existir hemorragias e existe risco de infeção de possíveis feridas (em caso de parto vaginal) ou no útero.
De acordo com um estudo, um mês após o parto 17% das mulheres estão sexualmente ativas, sendo que aos quatro meses após o parto já temos 89% de mulheres sexualmente ativas e 92% aos 12 meses após o parto. A investigação demonstra que o período de maior incidência de problemas sexuais são os 3 primeiros meses após o nascimento; a partir daí, os problemas tendem a diminuir.
Que alterações esperar no pós-parto?
O facto de o período de pós-parto ser desafiante também a nível da sexualidade está relacionado com as várias e intensas alterações que acontecem. Afinal, estamos a viver uma fase nova, com desafios diferentes de todos aqueles que até então tínhamos enfrentado.
Estamos a adaptar-nos à parentalidade, ao cuidado de um recém-nascido totalmente dependente de nós, a alterações de sono, a sensações novas no nosso corpo. Tudo é novo, diferente e, por isso, também o sexo no pós-parto será diferente. O que não quer dizer que seja pior ou que estejamos condenados a uma vida sexual insatisfatória e irrecuperável.
No entanto, quanto mais conhecermos e aceitarmos que sim, há mudanças, que elas são naturais e que esta é uma fase para redescobrirmos o nosso corpo, o do/a nosso/a parceiro/a e de redescobrirmos o sexo, mais saudável poderá ser a vivência do sexo no pós-parto. É, assim, importante termos consciência de algumas alterações que acontecem e que podem impactar no sexo no pós-parto, tais como:
- As oscilações hormonais típicas deste período, conjugadas com o cansaço, fadiga e stress, podem diminuir a libido. Se tivermos maiores alterações emocionais ou mesmo depressão pós-parto, esta diminuição da libido é ainda mais acentuada. Neste caso, é importante não só conversar com o/a parceiro/a, para que ele não se sinta rejeitado e perceba o que está a acontecer connosco, como também procurar ajuda.
- Por todas as alterações que a zona pélvica e genital sofreram, é natural que exista mais tensão e possível desconforto, o que torna muito importante a estimulação e os preliminares, bem como a lubrificação. Havendo por exemplo laceração na zona vaginal, pode mesmo existir dor.
- Os músculos do pavimento pélvico estão mais fracos, sendo que estes músculos têm um papel importante não só na satisfação como também no conforto sexual. Procurar ajuda da fisioterapia pélvica às 6/8 semanas pós-parto pode ajudar a avaliar a musculatura pélvica e também a melhorar a função do pavimento pélvico.
- A falta de estrogénio, devido à amamentação, poderá provocar uma diminuição na lubrificação natural. Por isso, é muito importante usar lubrificante e garantir uma adequada lubrificação.
- A amamentação traz alterações que podem impactar no sexo no pós-parto. a investigação indica que as mulheres que não amamentam têm menos problemas sexuais e têm maior probabilidade de voltar a ter relações penetrativas à 6ª semana após o parto. Isto está possivelmente relacionado com o facto de não terem sofrido alterações ao nível da progesterona, do estrogénio e da prolactina. Já aquelas que amamentam, sentem mais secura vaginal e mais dor sexual, além de sentirem maior sensibilidade mamária, que pode também interferir com o prazer. Por outro lado, algumas mulheres podem sentir excitação sexual durante a amamentação, algo que vivem com grande vergonha e confusão. Importa referir que a nossa resposta de excitação é maioritariamente automática, ou seja, não temos grande controlo sobre ela. Ter sentimentos sexuais em resposta a uma estimulação corporal que nos dá prazer é normal e pode acontecer durante a amamentação, não quer dizer que iremos reagir sempre assim ou que há algo de errado connosco.
- No caso de um parto por cesariana, a cicatriz pode causar algum desconforto inicialmente, sendo que a automassagem à cicatriz seis semanas após o parto pode ser importante. Também há mulheres e casais que referem sentir o canal vaginal “mais apertado” durante a penetração após uma cesariana, o que pode acontecer devido a um espasmo nos músculos do pavimento pélvico, que podem estar mais contraídos e tensos. Também neste caso, a fisioterapia pélvica pode ajudar.
- No caso de parto vaginal, os músculos do pavimento pélvico ficam um pouco esticados após o parto e precisam de tempo para recuperar. Se houver uma laceração, existirá uma cicatriz. Neste caso, a massagem perineal da cicatriz pode ajudar.
- Pode existir uma sensação de adormecimento ou mesmo de formigueiro na zona pélvica e genital nas primeiras semanas, que, se persistir, deve ser indicação para procurar ajuda de ginecologista.
- É comum existirem dores nas costas, devido às mudanças pelas quais o corpo passou durante a gravidez e o parto. As posições adotadas no sexo no pós-parto são importantes para minimizar, e não piorar, este desconforto.
- O peito pode estar dorido, e as mamas mais inchadas, o que pode ser desconfortável durante o sexo no pós-parto. Usar um soutien de amamentação pode ajudar a sentir maior conforto.
E a nível psicológico, o que acontece?
Como vimos, o sexo no pós-parto sofrerá mudanças e poderão surgir problemas sexuais, o que pode causar mais ansiedade, depressão e conflito relacional. O pós-parto traz mudanças muito profundas quer a nível pessoal quer a nível relacional. Uma dessas mudanças é o assumir de um papel novo, o facto de a pessoa ter de conhecer-se enquanto mãe, pai, figura parental, o que transforma a sua identidade e também a relação.
É importante haver consciência de que é normal e até frequente existirem mudanças, que não há nada de errado nisso. Algumas mudanças que podem acontecer: não ter interesse no mesmo tipo de atividade sexual, não querer ter atividade sexual com penetração porque é desconfortável ou causa dor… Há uma série de transformações também a nível relacional e psicológico, de enquadramento de um novo papel, enquanto tentamos manter os outros papéis. A nossa disponibilidade para o sexo no pós-parto é menor, já que o tempo em casal também já não é o mesmo, existindo agora um bebé que requer uma atenção quase constante.
Sentimos muitas vezes a pressão social e a exigência de sermos mães perfeitas, de cumprirmos os deveres maternais, e a esta pressão associa-se o medo de falhar. Para os/as companheiros/as esta pressão também existe, votando o casal a um foco completo e exclusivo nos cuidados ao bebé e afastando por vezes o sexo no pós-parto da equação, como se este fosse errado ou supérfluo.
Há também muitas vezes a pressão para estarmos bem, felizes, afinal, fomos mães e é suposto isso representar uma alegria total e completa. Isto faz com que muitas vezes haja um impedimento a vivermos emoções menos agradáveis ou e a reprimirmos qualquer tipo de insatisfação ou sentimentos de dúvida, preocupação, ambivalência, tristeza.
O corpo, que sofreu transformações durante a gravidez e que está diferente, mudado, pode fazer-nos sentir menos bem, menos bonitas e atraentes, dificultando o à-vontade no sexo no pós-parto.
Todos estes fatores de pressão podem dificultar um retomar saudável e tranquilo do sexo no pós-parto.
Retomar do sexo no pós-parto de forma saudável
Todas as alterações e mudanças referidas tornam o sexo no pós-parto desafiante, mas não significam uma condenação a uma vida sexual insatisfatória. Na verdade, é possível encarar esta fase como uma fase de exploração, de redescoberta da relação e também do sexo. Alguns aspetos e estratégias que devem ser tidos em conta e que podem ajudar são:
- Entender que o sexo vai muito além da penetração e não se reduz a ela. Por isso, explorar outras formas de estimulação e descoberta mútua pode ser prazeroso e até reforçador da satisfação sexual e a da relação do casal. A exploração e estimulação externa pode ser uma ótima forma de retomar o sexo no pós-parto e uma maneira de reexplorar, calmamente e sem pressões ou medos, a área.
- Não esquecer a estimulação, que é ainda mais importantes nesta fase, e também a lubrificação. Usar lubrificantes que não contenham propilenoglicol na sua composição e, caso isto não seja suficiente e a secura vaginal se mantenha, falar com o médico, que poderá prescrever um creme que contenha estrogénio na sua composição.
- Ter informação correta e adequada sobre as mudanças que ocorrem no pós-parto, compreendendo que estas mudanças são normais e esperadas e percebendo porque aconteçam. É importante, por exemplo, que o/a parceiro/a perceba que a falta de lubrificação vaginal não é falta de interesse, mas sim uma alteração fisiológica normal decorrente do período do pós-parto.
- Comunicar muito e bem, sendo a comunicação entre o casal importantíssima nesta fase. É fundamental haver abertura, falar sobre as dificuldades e receios, mas também sobre os desejos, encontrar formas de ajuste e de adaptação que façam sentidos para ambos neste retomar do sexo no pós-parto.
- Encontrar outras formas de proximidade entre o casal, já que, ainda que o sexo possa passar por alterações ou mesmo existir uma fase de pausa neste âmbito, a intimidade e proximidade podem e devem ser asseguradas de outras formas. Procurar encontrar tempo para estar em casal, para mimar, namorar, não deixando que a relação se dissipe por completo no meio de uma rotina agitada e exigente. Se houver esta priorização da relação e esta manutenção da intimidade, é também mais provável que a satisfação sexual venha a ser maior.
- Escolher posições sexuais mais confortáveis e ajustadas às sensações corporais e desafios. No caso de um parto por cesariana, a posição de gatas pode ajudar a diminuir a pressão na zona da cicatriz. Também pode ajudar usar uma pequena toalha ou almofada na posição de missionário ou apoiar a cicatriz com a mão quando estiver por cima, para controlar o movimento e a pressão sobre a mesma.
- Usar estratégias para relaxar e diminuir a tensão, nomeadamente na zona pélvica ou abdominal. Algumas estratégias que podem ajudar são o relaxamento respiratório, o saco de água quente para a barriga, os óleos essenciais, as massagens ou um banho quente.
- Evitar exercício físico de alto impacto nas primeiras 12 semanas, já que este pode dificultar a recuperação. É necessário repouso, recuperação e também trabalho específico para fortalecer os músculos do pavimento pélvico e melhorar a função. Este trabalho pode ser feito com a ajuda de um fisioterapeuta especializado na reabilitação pélvica.
- Pensar na questão da contraceção, já que, mesmo estando a amamentar e não tendo voltado a menstruar, é possível engravidar. Assim, é importante conversar com o médico e encontrar o método contracetivo mais adequado nesta fase.