Muitas são as questões que se colocam relativamente às responsabilidades parentais e ao seu exercício e regulação, para a qual nem sempre os progenitores se mostram de acordo.
Como tal, abordaremos, neste artigo, os princípios basilares das responsabilidades parentais, bem como o modo como elas são exercidas na constância do casamento e fora dele e, bem assim, os aspetos fulcrais da regulação das responsabilidades parentais, como a residência dos menores, o direito de visitas e a pensão de alimentos.
O que são as responsabilidades parentais?
Há não muito tempo, chamávamos poder paternal às responsabilidades parentais. A alteração de nome deveu-se ao facto de se querer dar a entender que, mais do que um poder, está em causa um dever, uma responsabilidade dos pais, em relação aos filhos.
Em boa verdade, quando falamos em responsabilidades parentais, não é criterioso falarmos em poderes dos pais sobre os filhos, mas sim poderes-deveres, na medida em que os pais não exercem os poderes como manifestação da sua autonomia, ilimitadamente, pois, paralelamente, coexiste um dever, uma função. Por outras palavras, podemos dizer que os poderes dos pais devem sempre ser desempenhados no interesse do filho.
As responsabilidades parentais são, pois, poderes-deveres dos pais em relação aos filhos, exercidos normalmente até à maioridade ou emancipação destes últimos, dotados de natureza pessoal, na medida em que são posições jurídicas pessoais, individuais e irrenunciáveis.
Poderes e deveres dos pais e tutores
Em que consiste o dever de auxílio?
Sobre os detentores das responsabilidades parentais recaí um dever de auxílio e de velar pela segurança e saúde do menor. Trata-se do dever de cuidar das crianças e zelar pela sua segurança e saúde, sendo que aqui cabem imensos atos multiformes, como agasalhar, proteger de estranhos, realizar exames médicos, etc.
O que é o dever de assistência?
Ainda relativamente às responsabilidades parentais, referir que a lei refere também de um dever de assistência e dever de prover o sustento e suporte de despesas, relativas à segurança, saúde e educação e todas as prestações conexas com as várias vertentes das responsabilidades parentais.
À medida que o menor vai crescendo e, consequentemente, vai adquirindo a sua independência, estes deveres vão decrescendo, ou seja, existe uma desvinculação gradual quanto a este dever de assistência e de prover pelas despesas.
Os pais podem utilizar o dinheiro dos filhos?
No âmbito das responsabilidades parentais os pais podem utilizar o dinheiro dos filhos, mormente proveniente de rendimentos que os bens dos filhos produzam (uma renda, por exemplo), desde que seja para satisfazer as despesas com o sustento, a segurança, a saúde e a educação, bem como, dentro de justos limites, com outras necessidades da vida familiar.
Tenho de sustentar o meu filho depois dos 18 anos?
Este dever de assistência, por outro lado, também se pode prolongar para além da menoridade. O dever de assistência estende-se nos casos em que os filhos ainda não tenham completado a sua formação.
A título exemplificado, um sujeito normalmente só ingressa no ensino superior após ter completado os 18 anos de idade, estando, ainda assim, os pais, dentro das suas capacidades económico financeiras, obrigados a suportar os encargos inerentes. Assim o é porque a lei entende que existe uma carência económica dos filhos nessas circunstâncias.
O que é o dever de educação?
O dever de educação abrange duas componentes:
- Uma primeira, que consiste em dar aos filhos os cuidados, as indicações e orientações necessárias para que o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral. Esta componente passa por regras de conduta, éticas e morais, para que os filhos possam atuar na sociedade, isto é, dotando-os de capacidades física e intelectuais necessárias para o efeito. Evidentemente, que esta componente vai diminuindo ao longo do tempo, e terminará com a maioridade;
- Uma outra, que consiste no investimento, na preparação académica e profissional; passa pelo facto de os pais auxiliarem os filhos a preparam-se academicamente para que possam exercer uma carreira profissional.
Posso escolher a religião do meu filho?
Estabelece a lei que, no âmbito das responsabilidades parentais, pertence aos pais a decisão quanto à educação religiosa dos filhos menores de 16 anos de idade. Como tal, até àquela idade, os pais têm poder ao nível da educação religiosa dos filhos. Após essa data, estará no livre-arbítrio do filho tomar posição quanto a tal matéria.
O que é o dever de guarda e o dever de vigilância?
O dever de guardar obriga a que os pais não abandonem os filhos, nem os filhos possam ser retirados aos pais, sem que haja decisão judicial. Desde logo, se os filhos forem retirados aos pais, existe um mecanismo processual destinado a recuperar os filhos e que tem a denominação de entrega judicial de criança.
Em igual medida, sobre os pais recai um dever de vigilância, que se traduz no controlo das relações do filho com terceiros, alertando-se, porém, que este dever compreende certos limites, que passam pelo respeito pela autonomia do filho e consideração pela sua opinião.
Posso proibir o meu filho de estar com os avós?
Os pais só podem privar os filhos do convívio com irmãos e ascendentes, nos quais se incluem os avós, se houver motivo justificativo para tal, pelo que a regra é que não o podem fazer. Em igual medida, os tribunais têm vindo a reconhecer este direito de convívio a pessoas que não estão relacionadas por laços de sangue, mas que desempenham ou desempenharam um importante papel afetivo na vida do menor.
O que é o dever de representação do filho?
A representação é uma forma de suprir a incapacidade de exercício do menor. Os pais podem representar os filhos, salvo quanto a matérias que sejam de natureza estritamente pessoal, quanto a atos que a criança possa praticar pessoal e livremente e quanto a atos que os pais estão proibidos de praticar, como será exemplo os respeitantes a bens de que eles não têm a administração, que está confiada a um terceiro.
De igual modo, também o Ministério Público poderá representar os menores em juízo, intentando ações em seu nome, requerendo ações de regulação e defesa dos seus direitos e usando de quaisquer meios judiciais necessários à defesa dos seus direitos e superior interesse.
Responsabilidades parentais e os bens dos filhos
Sobre os pais recai também a administração dos bens dos filhos, que devem administrar com o mesmo cuidado com que administram os seus próprios bens.
Que atos de administração não podem os pais praticar?
Existem bens cuja administração está excluída aos pais, são eles:
- bens do filho que procedam de sucessão, da qual os pais tenham sido excluídos por indignidade ou deserdação;
- bens que tenham advindo ao filho por doação ou sucessão, contra a vontade dos pais;
- bens deixados ou doados ao filho, com exclusão da administração dos pais;
- bens adquiridos pelo filho maior de dezasseis anos, pelo seu trabalho.
Para a prática de qualquer ato referente aos bens acima referidos, é necessária a autorização do Ministério Público que, uma vez mais, surge aqui em representação do interesse do menor.
Que atos necessitam de autorização?
Certos atos há ainda que os pais, mesmo sendo representantes dos filhos (responsabilidades parentais), não os podem praticar sem prévia autorizado do Ministério Público, são eles:
- Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas suscetíveis de perda ou deterioração;
- Votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução;
- Adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação;
- Entrar em sociedade em nome coletivo ou em comandita simples ou por ações;
- Contrair obrigações cambiárias ou resultantes de qualquer título transmissível por endosso;
- Garantir ou assumir dívidas alheias;
- Contrair empréstimos;
- Contrair obrigações, cujo cumprimento se deva verificar depois da maioridade;
- Ceder direitos de crédito;
- Repudiar herança ou legado;
- Aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial;
- Locar bens, por prazo superior a seis anos;
- Convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais;
- Negociar transação ou comprometer-se relativamente a atos referidos nos pontos anteriores, ou negociar concordata com os credores.
Responsabilidades parentais durante o casamento
Regra geral, estando os progenitores casados entre si, o exercício das responsabilidades parentais é feito de comum acordo. Porém, na sua falta, e no tocante a questões de particular relevância, poderá qualquer um dos pais suscitar a intervenção do tribunal, que solucionará o diferendo, mormente por recurso à conciliação. Não sendo esta possível, decidirá o tribunal, depois de ouvir a criança, sempre que tal seja possível.
Referir ainda que nas questões da vida corrente dos filhos, entende-se que, se um dos pais praticar atos que integrem o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro. Tudo isto vale integralmente para os filhos resultantes da união de facto, enquanto tal relação perdurar.
E se um dos pais se encontrar incapacitado?
Casos há em que, pese embora os progenitores sejam casados, um deles não pode exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal (porque está preso, por exemplo), cabendo, nestas circunstâncias, o exercício das responsabilidades parentais apenas ao outro progenitor.
Responsabilidades após a extinção do casamento
Em caso de morte de um dos progenitores
Em caso de morte de um dos pais, o exercício caberá ao cônjuge sobrevivo. Todavia, se o progenitor sobrevivo não puder exercer as responsabilidades parentais por ausência, incapacidade ou outro impedimento decretado pelo tribunal, o exercício das responsabilidades parentais será atribuído, por decisão judicial, a outra pessoa, ainda que preferencialmente ao cônjuge ou unido de facto de qualquer dos pais ou a alguém da família de qualquer dos pais.
Em caso de divórcio ou separação de pessoas e bens
Em caso de divórcio, separação de pessoas e bens, anulação ou declaração de nulidade do casamento ou mera separação de facto o exercício das responsabilidades parentais é sempre definido por decisão judicial ou por acordo dos progenitores, devidamente homologado. Por exemplo, no divórcio por mútuo consentimento, a presença deste acordo é um dos requisitos para que possa o pedido ser apresentado na conservatória, caso contrário terá que ser apresentado no tribunal, que decide esta questão.
A regulação das responsabilidades parentais
A Ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais surge no contexto em que os progenitores, divorciados, separados ou que, simplesmente, têm filho(s) em comum, não estão de comum acordo quanto à regulação das responsabilidades parentais dos filhos. Em caso de acordo, poderão recorrer à Conservatória do Registo Civil.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais pressupõe:
- Determinação da pessoa com quem a criança residirá e atribuição das responsabilidades parentais nas questões de maior importância;
- O estabelecimento do regime de contactos pessoais com o progenitor a quem o filho não é confiado (exemplo: se o filho está ao cuidado da mãe, deve ser estipulado o período de contacto com o pai);
- Fixação da obrigação de alimentos a pagar pelo progenitor que não cuida da criança e a forma da sua prestação.
O tribunal deve decidir de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles, sem prejuízo de a criança poder ser confiada a uma terceira pessoa.
Quando há exercício conjunto das responsabilidades parentais?
Em regra, há exercício conjunto de responsabilidades parentais:
- Quanto a questões de particular importância da vida da criança (escolha entre inscrição numa escola pública ou privada, exercício de atividade laboral pela criança e interrupção voluntária de gravidez, a título de exemplo) o exercício é sempre conjunto, o que quer dizer que os cônjuges têm que acordar nestas matérias. Se houver uma situação de urgência manifesta (exemplo: intervenção cirúrgica arriscada, mas de que depende a vida da criança, e em que um dos cônjuges esta incontactável) pode haver um exercício unilateral;
- Quanto a questões da vida corrente, como decisões relativas a alimentação da criança, o exercício é disjunto, cabendo ao progenitor com quem a criança reside ou ao progenitor com quem a criança se encontre no momento.
Note-se que o progenitor com quem a criança se encontre temporariamente, isto é, com que a criança não reside, não deve contrariar as indicações educativas mais relevantes do progenitor com quem a criança reside habitualmente, das quais são exemplo o facto de a mãe determinar que filho não se deve deitar depois das 22h30, devendo o pai respeitar tal orientação quando está com a criança.
Com quem deve residir a criança?
A lei vem dizer-nos que o grande critério de determinação é o superior interesse da criança, que é ponderado e avaliado casuisticamente, em função de um conjunto de circunstâncias relativas à criança e aos progenitores. São vários os modelos utilizados, nomeadamente:
- Fixação do domicílio na casa de um dos progenitores;
- Residência alternada (a criança vive um período em casa da mãe e outro em casa do pai);
- A criança permanece na casa de morada da família, vivendo os pais aí alternadamente. Por outro palavras, os filhos ficam sempre na mesma casa, sendo que quem muda de casa são os progenitores (modelo pouco utilizado no nosso país).
Como é que os juízes decidem a quem atribuir a criança?
Não há um critério uniforme que ofereça uma resposta a esta questão. De todo o modo, seguem-se algumas das orientações seguidas:
- Figura primária de preferência: o juiz vai tentar perceber quem é a figura de referência, vai perceber quem é o centro de referência para aquela criança;
- Não separação dos irmãos: à partida, não se deve colocar um irmão com o pai e outro com a mãe;
- Regra da preferência do progenitor que tem o mesmo sexo da criança (utilizado sobretudo em adolescentes e jovens);
- Interesse do menor em manter uma relação de grande proximidade com o progenitor a quem não seja confiado;
- Manutenção do status quo: evitando-se alterações drásticas nas vidas dos menores.
Como é definido o regime do direito de visitas?
Quanto à regulação do regime do direito de visitas por parte do progenitor com quem a criança não reside, apresentam-se dois modelos padrão:
- Regime livre: o pai/mãe pode visitar o filho sempre que entender, sem prejuízo das suas obrigações escolares e dos períodos de repouso, desde que avise previamente a mãe/pai;
- Especificação da periodicidade, a duração e o lugar das visitas, quem fica encarregado de transportar a criança e quem suporta os custos.
O que fazer em caso de incumprimento do direito de visita?
Não raras vezes, o direito de visitas é incumprido pelos progenitores. Como forma de suprir estas anomalias, a lei consagra alguns mecanismos de reação/sanção, como por exemplo:
- Condenação ao pagamento de uma multa;
- Condenação ao pagamento de uma indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos;
- Responsabilidade penal, por crime de subtração de menor;
- Alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Há obrigação caso o filho viva com o outro progenitor?
Sobre o cônjuge com quem a criança não reside recai um dever de pagar uma pensão de alimentos ao menor, mormente para auxílio de despesas relativas ao sustento, habitação, vestuário, educação e outras despesas. Quando não seja possível obter o acordo dos progenitores quanto à matéria, o tribunal fixará casuisticamente qual o montante devido.
De forma a compelir ao seu pagamento, a lei prevê a possibilidade de ser movida uma execução especial por alimentos, fazendo com que a entidade patronal do infrator entregue diretamente ao outro progenitor uma parte do seu salário para alimentos do menor.
Sem prescindir, poderá existir igualmente responsabilidade penal, encontrando-se legalmente tipificado o crime da violação da obrigação de alimentos.
– artigo redigido com base no Código Civil (Decreto-Lei n.º 47344/66)