O parto constitui um momento extremamente marcante, quer para a grávida, quer para o bebé. A forma como vemos o parto e como este é vivido e encarado socialmente tem sofrido mudanças e transformações com a passagem do tempo.
Atualmente, é cada vez mais reconhecida a importância de a grávida poder ter um papel ativo num momento que é tão seu e do seu corpo. De facto, mulheres mais empoderadas e confiantes vivem partos mais satisfatórios e tranquilos, o que por sua vez pode também impactar num pós-parto mais saudável e num vínculo positivo entre mãe e bebé.
Como parte deste empoderamento e papel ativo, uma ferramenta que tem sido crescentemente difundida é o plano de parto. Mas o que é, então, o plano de parto? E como se constrói um plano de parto? Este tem validade legal? Vamos ajudar a esclarecer todas estas dúvidas neste artigo, e, idealmente, ajudar futuras mamãs a sentirem-se mais informadas, seguras e empoderadas, com as ferramentas necessárias para este momento tão importante, e ao mesmo tempo tão vulnerável, das suas vidas.
O que é o plano de parto e porque é tão importante?
O plano de parto, também chamado de plano de nascimento, consiste essencialmente num documento onde a grávida e/ou o casal identificam as suas preferências relativamente ao parto, ao nascimento do seu bebé e, ao pós-parto. O plano de parto surgiu nos anos 80, pela antropóloga Sheila Kitzinger, defensora do parto respeitado.
Para a elaboração de um plano de parto, é importante que a grávida e/ou o casal tenham, primeiramente, informação concreta, completa e fidedigna sobre o parto e as diferentes opções existentes, para que depois possam refletir sobre as suas próprias preferências e, eventualmente, discuti-las com os profissionais de saúde.
Deste modo, o plano de parto assume fundamental importância porque, ao construí-lo, a grávida está já munida ou em busca de informação sobre cada fase do trabalho de parto. Compreender o que acontece com o seu corpo durante este momento é altamente empoderador e protetor, conferindo algum controlo a um momento de grande vulnerabilidade.
O valor do plano de parto reside neste empoderamento, porque para o plano de parto existir, isso implica informação, comunicação entre casal e entre o casal e os profissionais de saúde, implica ainda reflexão e tomada de decisão. Construir um plano de parto implica responsabilização da grávida e/ou do casal, desafiando também os profissionais de saúde a um maior envolvimento e a personalizar os cuidados de saúde que são prestados, à medida das necessidades, distanciando-se de um modelo ou prática que “serve a todos da mesma forma”. Ou seja, o plano de parto pode ser uma ferramenta que ajuda e fomenta também o respeito e um parto humanizado.
O plano de parto é, assim, uma ferramenta que, por simples que pareça, na verdade mobiliza processos que podem ser valiosos e importantíssimos para a vivência de um parto e pós-parto mais saudáveis. Isto pode ser importante ao ponto de prevenir problemas como a depressão pós-parto ou as sequelas emocionais decorrentes de um momento tantas vezes traumático para a mulher.
Que validade tem o plano de parto?
Apesar de não existir legislação específica que, de forma inequívoca, proteja juridicamente o plano de parto, existem sim leis e normas nacionais e internacionais que são passíveis de proteger a vontade expressa no plano de parto, designadamente: os artigos 38.º, 39.º, 149.º e 150.º do Código Penal Português, os artigos 3.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, e os artigos 5.º, 8.º e 9.º da Convenção dos Direitos do Homem e Biomedicina.
Infelizmente, ainda há hospitais onde o plano de parto não é aceite, ou onde acaba por não ser respeitado. As novas orientações da DGS, publicadas em 2021, vêm trazer uma mudança importante, já que prevêem um modelo de plano de parto e incentivam ao esclarecimento das grávidas e/ou casais sobre esse plano nos cursos de preparação para o parto.
Assim, prevê-se que o plano de parto já seja tido em conta e aceite nas instituições. Mesmo que, de alguma forma, o plano de parto enquanto documento seja mais ou menos válido para a instituição, lembre-se que os seus direitos, nomeadamente de ser informada e de fazer parte de decisões clínicas e importantes, devem sempre ser garantidos e têm proteção legal.
O que pode ser incluído num plano de parto?
O plano de parto pode incluir todos os aspetos relativos ao parto e pós-parto que a grávida e/ou o casal considerem pertinentes. Mais uma vez, o plano de parto é altamente personalizado e deve refletir aquela grávida ou aquele casal, pelo que não há uma regra quanto ao que tem ou não de ser incluído.
Ainda assim, para orientação, apresentamos alguns pontos ou aspetos que podem ser incluídos no plano de parto, não sendo de todo obrigatório incluir todos eles:
- Acompanhante: que pessoas quero como acompanhantes? quando quero e quando não quero esses acompanhantes presentes?
- Profissionais de saúde: que profissionais gostaria que estivessem presentes no meu parto? aceito ou não a presença de estagiários/estudantes?
- Informação: pretendo ser informada, a par e passo, da evolução do trabalho de parto e participar nas decisões acerca do mesmo, depois de conhecer as alternativas possíveis?
- Procedimentos de rotina na admissão hospitalar: que procedimentos quero ou não realizar na admissão hospitalar? (ex: tricotomia, clister de limpeza intestinal, canalização da veia); pretendo usar a minha própria roupa ou a roupa do hospital?
- Período da dilatação: pretendo ter liberdade de movimentos, como caminhar ou mudar de posição? pretendo ingerir água, sumos ou outros líquidos? pretendo ser observada com nº mínimo de toques vaginais?
- Intervenções para induzir ou acelerar o parto: que intervenções pretendo ou não pretendo que sejam feitas, em caso de necessidade, para provocar o parto? (ex: deslocamento de membranas, rebentar a bolsa de águas, sonda de foley, prostaglandinas, ocitocina sintética, etc.); pretendo que me informem dos procedimentos que se vão realizando previamente? Em que situações pretendo que me seja administrado antibiótico?
- Alívio do desconforto ou da dor: que equipamentos acho que podem ser úteis para aliviar a dor durante o trabalho de parto? que estratégias e equipamentos quero usar? (ex: bola de pilates, duche, movimentos, técnicas de relaxamento e respiração); pretendo ou não métodos farmacológicos de alívio da dor? (epidural, outros fármacos); pretendo escolher em que momentos esses métodos serão administrados? quero que me ofereçam ou prefiro ser eu a pedir se necessitar? gostaria de mudar de posição durante o trabalho de parto, caminhar ou permanecer na cama?
- Monitorização fetal: como gostaria que fosse feita a monitorização do meu bebé? (ex: doppler portátil ou cardiotocógrafo, monitorização interna com elétrodo, etc)
- Exames e análises: como gostaria que avaliassem a progressão do trabalho de parto? que procedimentos gostaria ou não gostaria que fossem feitos? (ex: toque vaginal); quero ser informada antes da realização dos procedimentos e à medida que estes forem sendo necessários?
- Período expulsivo: como gostaria que fosse conduzido o período expulsivo? quero poder movimentar-me e escolher a posição? gostaria que os profissionais me conduzissem durante o período expulsivo ou pretendo fazer força quando sentir, sem indicação externa? solicito o uso de episiotomia apenas em situação de imperatividade?
- Pós-parto: como gostaria que fossem os primeiros momentos do bebé? pretendo realizar pele-com-pele logo após o nascimento, ou num momento posterior? se eu não puder, quero que o contacto pele-com-pele seja feito com o meu acompanhante? pretendo que os procedimentos iniciais ao bebé sejam adiados, ou feitos no meu colo? pretendo participar nos primeiros cuidados ao bebé ou, em caso de não poder, pretendo que o acompanhante participe? quando gostaria que fosse cortado o cordão umbilical do bebé? e por quem? gostaria de fazer colheita de sangue do cordão para células estaminais? que intervenções gostava que fossem realizadas para a saída da placenta?
- Amamentação: gostaria de amamentar? quando gostaria de começar? pretendo apoio para estimulação e extração precoce de leite materno, caso haja necessidade de afastamento temporário do bebé? quero ou não quero que seja oferecido ao meu bebé biberão, chupetas ou bicos de silicone? pretendo alimentar o bebé com leite artificial? prefiro que, em caso de alimentar temporariamente o recém-nascido com leite artificial, este seja oferecido por copo, seringa ou finger-feeding em vez de tetinas? pretendo ser informada acerca de grupos e linhas de apoio ao aleitamento materno?
- Procedimentos ao recém-nascido: gostaria que fosse administrada vitamina K ao meu bebé? por que via? gostaria que fossem administradas vacinas ao bebé? gostaria que fosse administrado antibiótico ocular ao bebé?
- Em caso de cesariana: quem pretendo que esteja presente? pretendo que a equipa médica vá descrevendo o que se passa? pretendo ter música ambiente escolhida por mim? como gostaria que o médico fizesse a extração do bebé? quero poder ver a extração do bebé? pretendo fazer contacto pele-a-pele? pretendo ser mantida no recobro junto com o bebé e acompanhante?
- Em caso de perda gestacional ou morte peri-natal: quero receber informação detalhada acerca do meu caso clínico? quero ser encaminhada para apoio psicológico? quais são as hipóteses que tenho disponíveis e que riscos/vantagens poderão ter? quero tudo feito imediatamente ou quero aguardar? quero ver e pegar no bebé? desejo ficar com recordações do bebé? quero que seja feito exame anatomopatológico ou autópsia? desejo fazer funeral caso tenha mais de 20 semanas?
Como construir um plano de parto?
Não existe uma única forma rígida e inflexível de construir um plano de plano, nem um modelo standard e único para o mesmo. Sendo o momento do parto algo tão único para cada grávida e/ou casal, a construção do plano de parto também pode ser personalizada e adaptada ao que faz sentido em cada caso.
Para facilitar, existem na internet variados modelos disponíveis para download, que a grávida e/ou o casal só precisam de preencher. Existem modelos diferentes e para quase todas as preferências.
A grávida e/ou o casal podem escolher um destes modelos ou construir o seu próprio plano de parto. Basta pensar nos pontos referidos acima, em quais quer incluir e de que forma querem comunicá-los. Podemos ter, assim, diferentes estruturas, por exemplo:
- Plano de parto em tabela: consiste numa tabela com diferentes colunas/linhas, cada uma das quais pode refletir um tópico ou procedimento e a indicação da preferência relativamente ao mesmo. Permite que a informação seja clarificada e uma leitura mais rápida;
- Plano de parto em parágrafos: consiste em diferentes parágrafos, cada um dos quais pode refletir aspetos diferentes relativos ao parto ou pós-parto. Permite uma descrição mais detalhada;
- Plano de parto por tópicos: consiste em ter diferentes tópicos, cada um referente a diferentes aspetos do parto ou pós-parto, permitindo também uma fácil leitura.
Apresentamos-lhe um passo-a-passo para construir o seu plano de parto:
- Reflita sobre as suas preferências relativamente ao parto e ao pós-parto, de forma livre, pensando nalgumas questões como:
- Quais são os valores e objetivos para o parto?
- Que medos e receios tem?
- O que é mais importante para si neste processo?
- Que ambiente gostaria de ter no parto e o que acredita que a vai ajudar a sentir-se mais tranquila e confiante nesse momento?
- Que recursos gostaria de ter disponíveis para apoio e conforto?
- Existem procedimentos que queira ou não queria de todo? Porquê?
- Que opções pretende considerar caso surjam outras necessidades durante o processo?
- Como pretende que seja o momento inicial de interação com o bebé?
- Se fizer sentido, converse e partilhe as suas reflexões com o/a seu/sua companheiro/a e/ou outras pessoas significativas que quer ver envolvidas neste processo;
- Identifique quais são as dúvidas que tem, a informação que sente que ainda precisa de obter ou clarificar, e escreva-as numa lista, identificando também as estratégias necessárias para obter essa informação;
- Converse com os profissionais de saúde que a acompanham, para esclarecer todas as dúvidas que tem, obter informação em falta, e discutir também as suas preferências relativamente ao parto e pós-parto. Utilize o acrónimo BRAIN para ajudar nesta procura de informação, questionando os profissionais de saúde sobre:
- B: Benefícios – quais os benefícios deste procedimento?
- R: Riscos – quais os riscos deste procedimento?
- A: Alternativas – quais as alternativas?
- I: Intuição – o que diz a minha intuição?
- N: Nada – o que acontece se não fizer nada?
- Discuta também com os profissionais de saúde as opções presentes na instituição onde pretender ter o parto (caso seja um parto hospitalar), as limitações, os protocolos que seguem e de que forma isso está de acordo ou não com o seu plano de parto;
- A partir de toda a informação que obteve, volte a fazer uma nova reflexão acerca do que espera do parto e do pós-parto, das suas preferências, procure gerir as suas expectativas e, se fizer sentido, conversar com o/a companheiro/a e/ou outros significativos;
- Registe e escreva estas preferências e tudo o que pretende transmitir à equipa de saúde que a irá acompanhar no parto e pós-parto. Procure incluir alternativas, ou seja, plano A e plano B, e pensar o que quer que aconteça no caso de haver intercorrências ou fatores inesperados;
- Escolha de que forma quer estruturar estas preferências e como as quer transmitir. Pode ter um documento escrito ou pode só querer transmitir oralmente as suas preferências à equipa de saúde. Pode organizar a informação de acordo com uma estrutura livre, por tópicos, em tabela, ou outra. Escolha aquilo que lhe fizer mais sentido;
- Depois de escolher, elabore o documento final:
- Entregue uma cópia à sua equipa de saúde (obstetra, enfermeira, médico de família…); outra cópia à instituição onde prevê ter o parto, a partir das 30 semanas, para que haja tempo de resposta da Direção Clínica;
- Anexe duas cópias do plano de parto ao seu boletim de grávida, que deve levar consigo no dia do parto. Uma das cópias pode ser entregue à equipa de saúde, aquando da admissão hospitalar, e a outra pode ficar consigo.
O plano de parto tem de ser cumprido “à letra”?
É muito importante que a grávida e/ou o casal tenham em conta que o plano de parto representa um conjunto de preferências, e não de normas ou instruções inflexíveis e que têm de ser obedecidas. As preferências expressas no plano de parto devem, obviamente, ser respeitadas sempre que possível, no entanto, nem sempre isso é possível.
Assim, o plano de parto pode contemplar um plano A, B e C, e é fundamental que a grávida e/ou o casal, com o auxílio dos profissionais de saúde, possam gerir as suas expectativas e compreender os vários fatores que podem interferir no momento do parto e tudo aquilo que poderá acontecer, bem como a forma como podem ser geridas as intercorrências.
Mais uma vez, tudo isto só pode ser feito com informação. Se a grávida e/ou o casal estiverem munidos de informação completa, podem tomar este tipo de decisões, percebendo o que gostariam que acontecesse e o que querem fazer caso isso não seja possível.
É também importante salientar que há coisas que a grávida e/ou o casal podem decidir, e outras nas quais eventualmente o poder de decisão pode não ser tão absoluto. Há situações que podem não estar ao alcance da grávida e/ou do casal em termos decisórios, e nas quais os profissionais de saúde terão de agir em conformidade, garantindo sempre o consentimento da grávida.
Flexibilidade é, assim, a palavra-chave. O plano de parto é um plano, e sabemos que os planos podem ou não correr como o previsto. De facto, o parto em si é um evento de natureza fisiológica que pode ser altamente imprevisível, pelo que o plano é sim relevante, mas deve ser visto como um ponto de partida e um reflexo daquela grávida e/ou casal, e não um conjunto de regras inflexíveis.
O que está refletido no plano de parto pode ser mutável, não só por motivos clínicos e imprevistos que aconteçam, mas também porque a vontade da grávida mudou por alguma razão.
Em suma, encare o seu plano de parto como uma ferramenta valiosa para o seu empoderamento e para a vivência de um parto mais informado, gerindo as suas expectativas. Ao informar-se e refletir sobre as suas preferências, já está a tomar controlo e a assumir um papel ativo neste momento tão importante da sua vida: parabéns por isso!