Lidar com uma gravidez de risco

Pensar na palavra gravidez, sobretudo para quem deseja ter filhos e tem um projeto de parentalidade, é associá-la, geralmente, a algo mágico e bom. Quaisquer que sejam as palavras que nos surgem para descrever a gravidez, são geralmente palavras de conotação positiva.

Sabemos também, quando o assunto surge de forma mais refletida e pensada, que a gravidez se faz acompanhar de algumas coisas menos agradáveis, de possíveis incómodos e mudanças desafiantes – mas ou não se fala tanto delas, ou vemo-las como males menores e necessários.

No geral, pensamos a gravidez como essa transição mágica e poderosa de gerar um ser-humano. Dizemos que a mulher tem “um brilho especial”. Esperamos que ela esteja feliz. E a gravidez pode ser isso tudo – muitas vezes, é-o de facto.

No entanto, também pode não o ser, ou este processo de magia e felicidade é muitas vezes pautado por medos e ansiedades de que tantas vezes não se fala. Em muitas situações, a alegria é inesperada e repentinamente interrompida e dá lugar a outros sentimentos, de medo, pânico, ansiedade, tristeza. É isto que acontece, com alguma frequência, numa gravidez de risco.

E urge falarmos sobre isso, darmos validade e visibilidade a estas emoções e representatividade a quem por elas passa. E pensarmos também como podemos, de forma humana e empática, ajudar a lidar com uma gravidez de risco, quer sejamos nós a passar por ela, quer estejamos a apoiar uma pessoa neste processo.

O que é uma gravidez de risco?

De um modo geral e em situações normais, a gravidez ou gestação não é um problema de saúde nem uma doença, mas sim uma condição fisiológica normal e que pode ser parte de uma experiência de vida saudável, condição essa que envolve mudanças físicas, emocionais e sociais. No entanto, em algumas circunstâncias, a gravidez pode acarretar riscos tanto para a mãe como para o feto, sendo por isso considerada uma gravidez de risco.

Uma gravidez de risco nem sempre o é desde o início. Há situações em que tudo está bem, até não estar, em que mudanças ocorrem durante a gestação que a tornam de risco, exigindo assim uma adaptação da grávida a uma situação inesperada. 

Alguns sintomas e sinais de alarme que podem indicar uma gravidez de risco são os sangramentos pela vagina, as contrações uterinas antes do tempo, a libertação de líquido amniótico antes do tempo, a diminuição dos movimentos fetais, tonturas e desmaios frequentes, dores ao urinar, inchaço repentino do corpo, aceleração repentina dos batimentos cardíacos ou dificuldade em caminhar.

Esses sinais de alerta devem ser sempre indicação para avaliação médica, podendo ou não depois levar à confirmação de que estamos perante uma gravidez de risco.

Principais fatores clínicos associados a uma gravidez de risco:

  • Problemas em gravidezes anteriores, nomeadamente ter tido um bebé com restrição do crescimento ou um bebé prematuro, ter tido uma perda intrauterina ou perinatal ou então várias perdas gestacionais;
  • Ter condições de saúde prévias à gravidez, como por exemplo cardiopatias, pneumopatias graves, doenças infeciosas, doenças neurológicas, doenças autoimunes, entre outras que necessitem de acompanhamento especializado;
  • Apresentar, na gravidez atual, pressão alta e pré-eclampsia;
  • Apresentar diabetes gestacional;
  • Gravidez de gémeos ou múltipla;
  • O feto apresentar restrição do crescimento;
  • Presença de malformações fetais ou arritmia fetal;
  • Desnutrição materna severa;
  • Sistema imunitário debilitado;
  • Obesidade mórbida;
  • Infeções urinárias de repetição e não responsivas a tratamento;
  • Doenças infeciosas;
  • Descolamento da placenta;
  • Placentação anormal, por exemplo placenta prévia;
  • Rutura de membranas pré-termo;
  • Alteração da quantidade de líquido amniótico;
  • Ter comportamentos de risco (como consumo de álcool, tabaco ou drogas);
  • Gravidez na adolescência ou depois dos 35 anos de idade.

Pensamentos e emoções comuns numa gravidez de risco

Quando a mulher está grávida, e sobretudo tratando-se de uma gravidez desejada, há todo um processo de construção e idealização. Ainda não temos um bebé nos braços, mas de alguma forma começamos a sentirmo-nos mães. E, de facto, já o somos. E também temos expectativas, não só para o bebé, mas para o processo da gravidez.

De forma mais ou menos consciente, existem expectativas face àquele período da nossa vida, sobretudo se foi algo muito desejado. Imaginamos a barriga, a forma como vamos contar às pessoas da nossa vida sobre a gravidez, imaginamos o sentir o bebé na barriga, a relação que vamos querer começar a construir com este novo ser… Imaginamos tudo isto; não imaginamos, provavelmente, ter de viver no medo.

A ansiedade é uma emoção que naturalmente acompanha a gravidez, uma vez que queremos que tudo corra bem e a preocupação acaba por ser uma companheira. No entanto, em circunstâncias normais (e dependendo também de pessoa para pessoa), a preocupação e ansiedade são geríveis, comportáveis, e vão-se equilibrando com doses de alegria, esperança, renovadas a cada vez que vemos o nosso bebé no pequeno ecrã do ecógrafo.

No entanto, numa situação de gravidez de risco, esta ansiedade deixa de ser tão gerível e em níveis residuais, para passar a poder ser bem mais limitadora e desgastante. Como se vivêssemos em terreno pantanoso, com medo constante. A cada nova consulta, a respiração fica em suspenso, e entre consultas vive-se muitas vezes na angústia do não saber.

É válido, legítimo e normal que se sinta desta forma face a uma gravidez de risco. Que tenha medo, que a ansiedade pareça apoderar-se de si em muitos momentos. E também é legítimo que outras emoções se juntem a esta avalanche emocional: insegurança, culpa, tristeza, pesar, desânimo, frustração e revolta porque:

  • não era esta a gravidez que imaginávamos, porque não era esta a gravidez que desejávamos, porque não era assim que queríamos viver esta fase;
  • as outras pessoas parecem viver gravidezes normais e felizes, e parece-nos ter sido retirado esse direito;
  • nos questionamos se há algo de errado connosco, com o nosso corpo, e a culpa materna começa logo desde muito cedo;
  • não sabemos o que vai acontecer connosco e com o nosso bebé;

Tudo isto, são pensamentos e emoções que podem surgir. Viver uma gravidez de risco exige um processamento psíquico e emocional desafiante de tudo o que está a acontecer.

A minha experiência…

Na minha gravidez de risco, tenho vivido várias vezes diferentes. Sinto como se estivesse a atravessar um conjunto de montanhas – há momentos que atravesso planícies, planas e calmas e tranquilas, e outras em que surge uma subida íngreme, difícil e ingrata. Há tristeza que depois se transforma em esperança e que depois é novamente destronada e dá lugar ao medo. É difícil manter o controlo. Não é só o medo, a insegurança do que vai acontecer, mas também a revolta e a sensação de algo me ter sido roubado. O direito a viver esta fase da forma mágica, bonita e feliz que desejava. Ao mesmo tempo, a aprendizagem de que não ter controlo sobre nada pode ser também libertadora. Tenho aprendido a aceitar esta jornada sentindo-a como minha – esta é a minha viagem, e tinha de ser assim, porque é minha, diferente de todas as outras. É a viagem que me vai levar aos meus bebés, e é isso que me faz aprender todos os dias a confiar, a procurar informação, recursos e formas de procurar que tudo, no final, seja aquilo que tiver de ser.

Como lidar com uma gravidez de risco?

Viver uma gravidez de risco é atravessar um turbilhão de emoções e ter de gerir uma série de desafios. Como tal, é imperativo que consigamos cuidar de nós e, sobretudo, acolher todas as emoções que surgem.

Não existem fórmulas mágicas ou remédios fáceis para lidar com uma gravidez de risco. Ainda assim, podemos tentar aumentar os nossos recursos internos e externos para gerir a situação, diminuindo dentro do possível o seu peso e exigência e atravessando esta jornada pedregosa de forma menos solitária e mais empoderada:

Acompanhamento adequado

Sentirmo-nos bem acompanhadas pela equipa de saúde que escolhemos, sentir que ao nosso lado estão de facto profissionais não só competentes, mas também empáticos, que nos ajudam a trilhar este caminho, é fundamental. Passar por uma gravidez de risco deixa-nos numa posição de vulnerabilidade, e nessa posição precisamos de sentir acolhimento e empatia por parte dos profissionais que nos acompanham. Precisamos, também, de sentir segurança, que aqueles profissionais sabem o que estão a fazer, que estão a trabalhar em prol do nosso bem-estar e do nosso bebé.

Informação e conhecimento

Informação é poder. Uma gravidez de risco é uma situação de vulnerabilidade e, quando estamos vulneráveis e há tanta coisa que não podemos controlar, é importante focarmo-nos nas coisas sobre as quais podemos ter algum nível de controlo. Por isso, ter informação, saber o que está a acontecer, quais as alternativas, quais os cenários e desfechos possíveis, etc, dá-nos uma maior sensação de controlo e previsibilidade que é muito importante. Por isso, procurar informação fidedigna, nomeadamente junto dos profissionais de saúde, e munir-se de todas as coisas que são importantes saber e conhecer, pode ser uma ajuda valiosa.

Envolvimento no processo

Precisamos de bons profissionais ao nosso lado numa gravidez de risco, mas também precisamos de fazer a nossa parte. É importante tentarmos, dentro do possível, estar envolvidas no processo, comparecer às consultas, seguir as indicações dos profissionais de saúde (sempre e quando estas façam sentido), tomar decisões… Por muito incontrolável que a situação possa parecer, o foco deve estar naquilo que, de alguma forma, podemos controlar e podemos fazer.

Manter algum nível de controlo significa também fazer escolhas e ver essas escolhas respeitadas. É importante ter direito a pensar sobre aquilo que quer, que lhe faz mais sentido (nomeadamente, em relação à gravidez e ao parto) e poder ver, dentro das limitações existentes, essas escolhas e decisões respeitadas e honradas. Lembre-se que os profissionais de saúde têm o conhecimento e podem dar-lhe a informação que precisa para decidir, mas o corpo é seu, a gravidez é sua, e as decisões em última instância devem sempre passar por si.

Rede de suporte

Atravessar a avalanche emocional que é uma gravidez de risco pode tornar-se muito mais tolerável com companhia, do que se fizermos o caminho de forma solitária. É importante ter um bom suporte social, sentirmo-nos apoiadas, quer do ponto de vista prático (pessoas que nos ajudem nas pequenas coisas do dia-a-dia, que fazem toda a diferença, como por exemplo as lides domésticas caso não as possamos fazer, ou ir a consultas connosco), quer do ponto de vista emocional. Termos pessoas ao nosso lado também pode potenciar emoções positivas, de carinho, proteção, amor, coisas que podem ajudar a minimizar ou a tolerar um pouco melhor o sofrimento.

Autocuidado

Cuidarmos de nós é provavelmente o que de mais importante podemos fazer numa gravidez de risco, embora nem sempre pareça fácil. Não bastasse o facto de que simplesmente merecemos e precisamos de ser cuidadas, lembremo-nos também que cuidar de nós é cuidar do nosso bebé. O nosso corpo é a sua casa, e quanto melhor estivermos, isso terá sem dúvida um impacto positivo no bebé.

Falar em autocuidado não é só referir o comer saudável, ser ativa (dentro dos possíveis e das recomendações médicas) ou descansar e dormir bem. Autocuidado vai para além disso, é também autocuidado emocional, mental, social. Fazermos coisas que nos dão prazer, termos tempo para nós, para respirar, conectar, para estar.

Muito mais que “grávida” ou “mãe”

A gravidez e a maternidade representam sempre grandes mudanças ao nível de quem somos e dos nossos papéis. Ao longo do processo é necessário um ajuste, para integrarmos na pessoa que já eramos a identidade de mãe, para não nos perdermos, mas sim nos acrescentarmos, para lidarmos com os lutos e ganhos que advêm de todas estas transformações.

Numa gravidez de risco, tudo isto pode ser ainda mais difícil, mas também mais importante. Por muito que seja difícil e que a ansiedade e o medo nos façam viver focadas na gravidez e no bebé, devemos resgatar e não perder as outras partes de nós. Não esquecer todas as outras coisas que somos, e que gostamos de ser. Todos os outros papéis que desempenhamos, e que gostamos de desempenhar. Todos os outros projetos, sonhos, objetivos, que também existem e que também podem ser alimentados.

Dar espaço às emoções

A avalanche de emoções que pode acompanhar uma gravidez de risco exige ser vivida e experienciada. Reprimir aquilo que sentimos pode tornar estas emoções ainda mais sufocantes e limitadoras. Por isso, permita-se a senti-las e a expressá-las, chore se precisar de chorar, fale sobre aquilo que sente, ou escreva num papel. Dê espaço ao que está a sentir, pois o processamento dessas emoções torná-las-á menos pesadas, um pouco mais suportáveis.

Além disso, é importante lembrar que todas as emoções são válidas numa gravidez de risco. Às vezes, podemos sentir o peso do julgamento – “não podes estar assim, isso faz mal ao bebé”, “devias estar feliz”, “tens de pensar positivo”. Este peso, esta pressão, reprime e sufoca ainda mais. Por isso, é importante darmos legitimidade àquilo que estamos a sentir e sabermos que, se o sentimos, é porque é válido. E, se possível, procurarmos um espaço seguro onde essas emoções possam existir e ser expressas, sem pressões ou exigências.

Processar e organizar as emoções

Para além de espaço para vivenciarmos e expressarmos o que estamos a sentir, é importante também tentarmos organizar este mundo interno que pode tornar-se confuso e avassalador. Alguns passos importantes para isso são:

  • Identificar as emoções e os pensamentos automáticos, por exemplo escrevendo-os num papel;
  • Reconhecer os principais gatilhos e os fatores que agravam ou amenizam as emoções dolorosas;
  • Questionar e refletir sobre os pensamentos, as preocupações e medos, procurando algumas respostas mais adequadas e saudáveis de olhar para a situação e/ou de a resolver;
  • Compreender quais as necessidades internas e externas existentes e procurar uma resposta para as mesmas (preciso de mais informação? de apoio e suporte? de me preparar para determinado desfecho ou cenário? de desconstruir estes medos e cenários catastróficos que construí na minha mente?).

Pedir ajuda psicológica

Pedir ajuda, nomeadamente recorrendo ao apoio psicológico, pode ser fundamental para ajudar a lidar com uma gravidez de risco. A psicoterapia pode ajudar a processar os pensamentos e emoções, a encontrarmos, no nosso tempo e ritmo, uma maior organização interna que nos permita fazer face aos desafios que enfrentamos.

Procurar grupos de apoio

Partilhar aquilo que sentimos com outras pessoas, nomeadamente outras mulheres em situações de gravidez de risco, pode ser altamente benéfico e libertador. Estes grupos de apoio constituem muitas vezes espaços seguros, de partilha, onde podemos falar do que sentimos, dos nossos medos e inseguranças, e também aprender e refletir com as experiências das outras pessoas.

Atualmente, a internet abre inúmeras possibilidades a este nível e existem grupos online de fácil acesso. Também podemos procurar informações sobre grupos de apoio junto dos profissionais e das instituições de saúde, que podem proporcionar contactos.

A minha experiência

O que mais me tem ajudado nesta jornada é permitir-me a sentir primeiro e, depois, arregaçar as mangas. Choro quando as notícias vêm, quando os cenários se desenham e não são bonitos nem o que eu esperava. Processo, penso, pondero, desconstruo a catástrofe e construo o cenário realista – o que sei, o que posso esperar. E, depois, procuro fazer. Procurar apoio, falar, procurar informação, fazer perguntas, ler muito. Cuidar de mim, equilibrar qual malabarista as emoções difíceis com as boas. Porque continuo a poder sentir coisas boas e a desfrutar de mim, da vida, e dos meus bebés.

Em suma, a gravidez de risco é uma situação difícil e exigente. Mas não está sozinha, e todas as emoções têm o seu espaço e tempo para existir. Não há uma forma certa de viver a gravidez, e esta é uma jornada que nos pode ensinar muito sobre abrir mão do controlo e aprender a aceitar, a vivenciar cada momento e cada passo. Sabendo que, seja o que for que cada desafio trouxer, seremos capazes de o enfrentar. Por mais doloroso que seja. Temos, em nós, essa capacidade. 

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