A gravidez é um processo que geralmente associamos a um projeto de parentalidade, e que, por isso, também tendemos a associar a uma determinada fase da vida. No entanto, a verdade é que a gestação pode ocorrer fora destes parâmetros, numa fase bem mais precoce e não premeditada.
É o caso da gravidez na adolescência, uma realidade que não pode ser ignorada, porque se estar grávida já é um desafio com inúmeras mudanças e transformações, passar por isso numa fase tão conturbada como a adolescência é ainda mais desafiante.
Para além disso, a gravidez na adolescência gera na maioria das pessoas diversas questões e inquietudes, bem como alguma incompreensão e tentativas de colocar alguém no banco dos réus para responsabilização pelo sucedido.
Neste artigo, vamos explorar melhor os fatores de risco associados à gravidez na adolescência, perceber as suas características e desafios particulares e o que é importante fazer para amparar e apoiar uma adolescente a passar por este desafio, bem como para prevenir a gravidez na adolescência.
Porque é tão desafiante a adolescência?
A adolescência, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), está compreendida entre os 15 e os 19 anos de idade, sendo que entre os 10 e os 14 anos é considerado o período de pré-adolescência. A fase da adolescência é uma fase de transição entre a infância e a idade adulta, e nesta fase de transição acontecem variadas mudanças e transformações: biológicas, psicológicas e sociais.
Viver a adolescência é passar por uma série de mudanças para as quais não há uma preparação concreta ou definida. O corpo muda, o espelho reflete diferenças, as alterações hormonais acontecem sem pedir autorização, as mudanças de temperamento e humor também reclamam o seu lugar. Há uma necessidade para estabelecer as bases para a personalidade, para o futuro que será a vida adulta; a necessidade de autonomia, de independência, mas sem ainda saber bem como a alcançar ou o que fazer com ela.
Com tantas mudanças a acontecer, é fácil de perceber o quão desafiante a adolescência pode ser e as dificuldades de compreensão e adaptação que pode gerar. É um período de crise, em que o adolescente vive as chamadas “crises”, entre satisfazer o que lhe é imposto e que o contradiz.
A sexualidade e a adolescência
Na adolescência acontecem várias transformações físicas, que envolvem também alterações hormonais e sexuais. É vivida a fase da puberdade e os sistemas sexuais e reprodutores são maturados. Nas adolescentes surge a menstruação, que atualmente tende a ocorrer cada vez mais cedo, o que significa também que há uma fertilidade e, consequentemente, um potencial para uma gravidez cada vez mais precoce, o que pode constituir um fator de risco.
A fase da adolescência coincide, geralmente, com a fase em que a sexualidade se começa a expressar de forma mais explícita. O corpo parece sexualizar-se mais, com as hormonas a atuar de forma intensa, (re)descobre-se novas sensações e sente-se também o impulso para a descoberta do outro, emocional e fisicamente, de forma cada vez mais intensa.
Todo este florescer da sexualidade é novo e pode assustar, quer os pais, quer os próprios adolescentes, que se vêm confrontados com novos desejos e tensões que subitamente parecem tomar conta das suas mentes, corpos e sentimentos.
E tudo isto é natural. Este desabrochar da sexualidade é normal e saudável. Claro que, simultaneamente, pode acarretar riscos, mas isso é verdade para quaisquer transformações que acontecem em diferentes fases da vida. Assim como a criança que começa a andar, vai enfrentar novos riscos com esta aquisição, também o adquirir e vivenciar a sexualidade traz riscos, mas são riscos naturais e próprios de uma nova fase da vida.
Por isso, a ideia para abordar e prevenir a gravidez na adolescência nunca poderá ser reprimir a sexualidade adolescente, mas sim ajudar a que esta seja vivida de uma forma mais saudável.
Causas da gravidez na adolescência
Como em qualquer outro fenómeno complexo, não há uma resposta única e direta que nos permita compreender e atribuir causas ou responsáveis a cada gravidez na adolescência. Teremos casos muito diferentes e diversos.
Ainda assim, podemos identificar alguns fatores de risco que contribuem para que a gravidez na adolescência aconteça:
- Falta de informação e de educação em saúde sexual e reprodutiva. Apesar de vivermos numa altura em que o acesso à informação está altamente disseminado e é imediato e fácil, isto não quer dizer que essa informação seja de qualidade. Muitos adolescentes podem não ter acesso a educação sexual, seja formal por parte da escola ou informal por parte da família. O meio em que os adolescentes estão inseridos pode ter impacto nesta questão;
- Falta de orientação em planeamento familiar e de acesso informado e orientado a métodos contracetivos;
- Não usar contracetivos, por desinformação ou imaturidade, nomeadamente: não acreditar que podem engravidar, ver os contracetivos como incómodos ou de difícil acesso, achar que são perigosos ou antinaturais, achar que diminuem o prazer sexual, desejo inconsciente de engravidar, medo de que os pais descubram os contracetivos;
- Falta de diálogo em casa e sexualidade vista como tabu no contexto familiar;
- Início mais precoce da atividade sexual;
- Imaturidade cognitiva e emocional, fazendo com que os adolescentes tenham processos cognitivos como pensamentos mágicos (“isto nunca vai acontecer comigo”) ou até mesmo o deslumbramento com a gravidez (“vai ser maravilhoso ter um bebé”, “é algo meu”) e romantização do relacionamento amoroso (“vamos ter um filho juntos e ser felizes”);
- Problemas emocionais e défice de estratégias de coping eficazes para lidar com estes problemas, acabando por adotar estratégias menos funcionais, nomeadamente a atividade sexual como forma de procurar conforto ou validação;
- Baixa autoestima, dificuldades no relacionamento familiar e carência afetiva (por exemplo, necessidade de ter alguém para amar, no caso o bebé);
- Destruturação familiar e ausência de figuras de referência apoiantes e presentes;
- Alternativa para sair de casa, da escola ou da cidade onde mora.
É importante também enquadrarmos e pensarmos o porquê de a gravidez na adolescência acontecer, de um ponto de vista social. A nossa sociedade acaba por ter uma atitude ambígua em relação à sexualidade dos jovens adolescentes – ao mesmo tempo que condena a iniciação sexual precoce, também estimula ao erotismo. Reprime-se mais a sexualidade das raparigas do que dos rapazes, e faz-se recair também mais sobre o sexo feminino a responsabilidade pela gravidez.
Não se educa, muitas vezes, os adolescentes para uma vida sexual responsável e feliz. Ou se reprime ou se incita – e nenhum destes extremos ajuda a que os adolescentes possam construir a sua sexualidade de forma saudável.
Não falar do assunto, torná-lo tabu ou falar dele de uma forma negativa e punitiva, não vai fazer com que a atividade sexual não aconteça. Adolescentes que vejam a sexualidade como algo bom, natural, e que implica o assumir de certas responsabilidades, poderão fazer escolhas mais felizes e ponderadas.
Consequências e riscos da gravidez na adolescência
Ter uma gravidez na adolescência é diferente de ter uma gestação noutra fase da vida; há mais riscos associados. Estes riscos e consequências situam-se em diferentes dimensões que podem afetar a vida da adolescente grávida.
No que diz respeito à saúde física, as complicações associadas à gravidez são maiores na adolescência, sobretudo no caso das adolescentes com 15 anos ou menos, devido à imaturidade física e reprodutiva.
Existe maior morbidade e mortalidade no parto e pós-parto. Há um maior índice de desproporção feto-pélvica, maior número de abortos espontâneos, natimortos e mortes perinatais, partos prematuros e recém-nascidos de baixo peso. A mortalidade por síndrome de morte súbita durante os primeiros seis meses de vida é também mais frequente em filhos de mães adolescentes. Estes filhos tendem também a sofrer mais hospitalizações por acidentes ou infeções durante a infância.
O facto de as adolescentes esconderem a gravidez da família, maioritariamente por receio da reação, faz com que iniciem o acompanhamento médico pré-natal tardiamente, o que também contribui para a possível existência de problemas e complicações.
A nível das consequências psicológicas, emocionais e sociais, a gravidez na adolescência tem grandes repercussões para a vida da jovem. A forma como a própria notícia da gravidez é recebida pela adolescente pode constituir uma avalanche de emoções, num misto de sentimentos difíceis de descortinar.
A negação e a espera agoniante pela menstruação que não chega, o constatar da realidade, o medo, às vezes misturado com ternura e vontade de ter aquele bebé, a confusão interna… Há muitas vezes o arrependimento, a perplexidade, a vergonha e medo, muito medo e insegurança do que vai acontecer. Todas estas emoções podem ser difíceis e avassaladoras para a adolescente, que muitas vezes lida com elas sozinha.
Tende a haver um isolamento da família, dos amigos, muitas vezes um abandono da escola e interrupção da sua educação. Isto interrompe, inevitavelmente, a vida da adolescente e os seus projetos, podendo ter um forte impacto na sua autoestima e no seu equilíbrio emocional. Os conflitos e a crispação que a gravidez na adolescência pode gerar com a família podem renegar a adolescente a um isolamento e a uma sensação de solidão ainda maiores, como se não tivesse ninguém com quem contar.
A gravidez na adolescência é frequentemente um período de muitas perdas para aquela adolescente: a perda da sua identidade antes da gravidez, de quem era e também dos planos de quem queria ser, a perda da sua autonomia e estilo de vida adolescente, a perda da liberdade das possibilidades em aberto, entre muitas outras.
A adolescente sofre uma profunda transformação de papéis, passa de alguém que precisa de ser cuidada e de “querer colo” para ter de cuidar e “dar colo”. É uma transição tantas vezes demasiado abrupta para um papel de mulher e mãe.
Após uma gravidez na adolescência, muitas vezes é difícil retomar o ensino e continuar a formação. A baixa escolaridade e a falta de preparação dificultam a entrada da adolescente no mercado de trabalho, perpetuando as suas dificuldades ao longo da vida. Estas adolescentes acabam muitas vezes por ter baixos níveis de instrução, empregos menos qualificados e menores índices de satisfação profissional, o que se associa a um contexto de vida de maior precariedade e pobreza, ciclo esse que se tende a autoperpetuar.
Decisões a tomar perante uma gravidez na adolescência
Quando a gravidez na adolescência é confirmada, segue-se geralmente a necessidade de tomada de decisão, que variará mediante a fase em que a gravidez é descoberta. Isto porque a interrupção voluntária da gravidez só é permitida até às 10 semanas de gestação, deixando de ser uma opção legal a partir daí.
O processo decisório do que acontecerá pode ser complexo e difícil. Por vezes, a adolescente tem uma vontade e os seus pais, outra. Por vezes, ambas as partes vivem um conflito interno e a decisão ou o caminho a seguir não é claro ou linear.
Não existe uma decisão mais ou menos certa, ela dependerá sempre de cada grávida e de cada família, e idealmente deve existir, sempre que necessário, apoio para este processo de tomada de decisão – de profissionais de saúde, como médicos e psicólogos. Apoio não significa imposição, e é importante que sejam apresentadas as informações necessárias e que se permita que a decisão seja tomada sem lugar a julgamentos ou juízos de valor.
Para além da decisão de prosseguir ou não com a gravidez, poderá haver outras decisões importantes a tomar: Ficar com o bebé ou dar para adoção? Que presença e envolvimento vai ter o pai da criança no decurso da gestação? Em que contexto vai ser criado o bebé (casa da família da adolescente ou do adolescente? Outro contexto?) Como poderá a adolescente continuar os estudos e que apoio pode ter por parte da escola? Quem vai ajudar a assegurar os cuidados ao bebé? Que apoios estão disponíveis?
Cuidados a adotar na gravidez na adolescência
Para minimizar os riscos associados a uma gravidez na adolescência e potenciarmos uma vivência o mais saudável possível desta fase, alguns fatores podem ser muito importantes:
- Acompanhamento da adolescente por parte de uma equipa multidisciplinar, que possa incluir profissionais como obstetra, pediatra, psicólogo/a, assistente social. Esta equipa deve ajudar a preparar a adolescente e a sua família para a evolução da gravidez, parto, maternidade e desafios associados. Uma grávida adolescente não precisa só dos cuidados obstétricos normais de uma gravidez, também precisa de apoio no sentido de promoção da sua autoestima, prevenção de uma nova gravidez ainda na adolescência, apoio na reinserção escolar e social, promoção de competências de parentalidade, etc.;
- Apoio e presença dos pais e da família que, apesar de também estarem a viver um momento difícil, devem procurar apoiar a filha adolescente. É natural que os pais precisem de processar primeiro tudo o que está a acontecer, e que não tenham de se sentir felizes ou em paz com o que está a acontecer. No entanto, é importante que a família se una para dar a melhor resposta possível à situação, mobilizando recursos e pedindo ajuda se necessário;
- Apoio social e da comunidade, nomeadamente, da escola e dos contextos onde a adolescente se move. Quanto mais apoios a adolescente tiver para poder adaptar-se à gravidez e à maternidade, mais positivo poderá ser o desfecho para si e para o seu bebé;
- Estabilidade no ambiente familiar e uma boa rede de suporte;
- Vigilância rigorosa da gravidez e seguimento dos cuidados necessários, com hábitos de vida saudáveis, a nível de alimentação, sono, descanso, atividade física, toma das vitaminas pré-natais, etc;
- Manter, se possível, a frequência escolar ou pelo menos ter um plano ou perspetiva a médio-prazo em termos académicos e/ou profissionais.
Prevenção da gravidez na adolescência
Como nos diz o bom velho ditado, é melhor prevenir do que remediar. Isto aplica-se perfeitamente à gravidez na adolescência. É na prevenção que queremos, antes de mais, apostar. E há vários aspetos que podem ter um contributo importantíssimo para que a gravidez na adolescência seja prevenida:
- Comunicação e diálogo aberto e transparente na família, de forma geral e também, em particular, sobre sexualidade. O facto de o/a adolescente sentir que tem um espaço seguro onde pode falar sobre sexualidade – dentro dos seus próprios limites e vontades – e colocar dúvidas, é altamente protetor face a vários comportamentos de risco e também face à gravidez na adolescência. As conversas sobre sexualidade podem existir desde a infância, desde que adaptadas à idade. Não tem de ser “uma conversa” séria e estruturada que surge quando se atinge determinada idade. Quanto mais for um tópico natural de comunicação ao longo da vida, melhor funcionará esta comunicação, de forma fluída;
- Educação sexual nas escolas, onde se abordem não apenas temáticas como as doenças sexualmente transmissíveis e os riscos da sexualidade, mas também a sexualidade, as relações, os afetos e o planeamento familiar de uma forma global;
- Acesso a métodos contracetivos e informação compreensiva sobre os mesmos;
- Correção da desigualdade de oportunidades e acesso a informação e a serviços de saúde;
- Acesso ao planeamento familiar.