Depressão na gravidez: causas, sintomas e tratamento

A gravidez é um período particularmente sensível na vida da mulher, quer pelas mudanças hormonais e corporais ocorridas, quer pelas mudanças sociais, psicológicas e ao nível da identidade. Como tal, é um período particularmente crítico e por isso pode ocorrer depressão na gravidez.

Neste artigo pretendemos explorar o tema da depressão na gravidez, compreendendo porque surge, quais os sinais e sintomas, como deve ser tratada e como prevenir.

Causas da depressão na gravidez

A depressão na gravidez, também chamada de depressão perinatal ou depressão materna, pode ocorrer porque este é um período particularmente sensível, que constitui uma crise normativa e que implica uma nova definição de papéis e mudanças ao nível da identidade.

Além disso, a gravidez faz-se acompanhar de alterações e sintomas como mudanças hormonais, necessidade maior de sono, alterações ao nível do apetite, náuseas ou vómitos (o que pode aumentar com o aumento da ansiedade ou tensão emocional), aumento da sensibilidade e ambivalência, bem como oscilações e flutuações emocionais. Ou seja, muito embora a gravidez seja geralmente vista como um período de grande felicidade, isso não invalida que os problemas de humor e emocionais possam surgir.

A própria pressão que a mulher sente para se sentir feliz e plena nesta fase da vida pode prejudicá-la, fazendo com que se sinta culpada dada a eventual dificuldade em gerir mudanças e emoções, o que pode aumentar o risco para o desenvolvimento de uma depressão.

O desenvolvimento de depressão na gravidez irá depender de alguns fatores, nomeadamente:

  • Se a gravidez foi ou não planeada, sendo que uma gravidez não planeada pode constituir maior risco de desenvolver depressão materna, já que não há uma preparação para esta mudança de vida e muitas vezes esta não é desejada;
  • Se a gravidez é normal ou de risco, já que uma gravidez de risco pode acarretar para a mulher grandes níveis de ansiedade, aumentando o risco de depressão na gravidez;
  • Problemas ao nível da fertilidade ou existência de abortos prévios, partos prematuros ou outros problemas relacionados com gravidezes anteriores;
  • Existência ou não de uma rede de apoio, já que quanto mais isolada a grávida estiver, maior o risco de depressão na gravidez;
  • Recursos socioeconómicos, uma vez que a falta de recursos para atender às necessidades da grávida e do bebé podem propiciar a depressão perinatal;
  • Idade da mãe, sendo que as adolescentes estão particularmente suscetíveis à depressão. Nas adolescentes a prevalência de depressão na gravidez é de 16% a 44%, quase duas vezes mais elevada do que nas grávidas adultas, o que pode dever-se à falta de maturidade afetiva das adolescentes, bem como o facto de grande parte das adolescentes ter a sua vida limitada por causa da gravidez, tendo por exemplo que abandonar os estudos;
  • Tipo de reprodução (natural ou assistida);
  • História pessoal e da família de origem;
  • Vivência de episódios adversos ou stressantes antes ou durante a gravidez, como por exemplo violência doméstica, lutos, conflitos interpessoais, problemas laborais, entre outros;
  • Abuso de substâncias (álcool, drogas…);
  • História de depressão prévia, sendo que se a grávida já teve depressão alguma vez na sua vida, o risco de depressão na gravidez é maior.

Muitas vezes a gravidez faz-se acompanhar de medos diversos, em relação à saúde da própria mulher, ao parto, à saúde do bebé, à capacidade e confiança sentida em ser mãe e assumir este novo papel… Tudo isto são exigências a nível psicológico e emocional que, quando não são bem geridas, podem propiciar um quadro de depressão na gravidez.

Além disso, o período da gravidez envolve a concretização de diferentes tarefas, como a aceitação da gravidez, a aceitação da realidade do feto, a reavaliação das relações interpessoais e a aceitação do bebé como um ser separado. Estas tarefas são exigentes a nível psicológico e emocional.

Além disso, a mulher tem de ir lidando com uma série de mudanças no seu corpo, com a realidade cada vez mais presente do feto em crescimento, e com os receios existentes.

Sintomas da depressão na gravidez

Os sintomas e sinais de depressão na gravidez são comuns à gravidez noutros períodos da vida, e caracterizam-se por mudanças em relação ao funcionamento anterior da mulher, presentes pelo menos durante 2 semanas, e caracterizadas por cinco ou mais dos seguintes sintomas:

  • Humor deprimido a maior parte do dia, quase todos os dias;
  • Diminuição do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades diárias;
  • Diminuição ou aumento do apetite, ou perda ou ganho de peso sem estar a fazer por isso;
  • Alterações no sono, por exemplo com sonolência excessiva ou insónias;
  • Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias;
  • Fadiga, perda de energia ou cansaço, quase todos os dias;
  • Sentimentos de desvalorização ou culpa excessiva;
  • Dificuldades de concentração e de tomada de decisão;
  • Pensamentos sobre morte, ideação ou intenção suicida.

Estima-se que a prevalência da depressão na gravidez ronde os 8.5% a 11%. Cerca de 14.5% das grávidas experienciam pelo menos um episódio depressivo durante a gravidez.

Consequências da depressão na gravidez

A depressão na gravidez, se não for devidamente tratada, pode ter efeitos negativos quer para a grávida, quer para o bebé. Os sintomas depressivos na grávida constituem um aumento do risco de problemas de parto precoce ou pré-termo. Quanto mais severos e graves forem os sintomas depressivos, maior o risco de parto pré-termo.

Alguns estudos científicos demonstraram também que a presença de depressão na gravidez e de sintomas depressivos intensos no terceiro trimestre constituem um risco para maior necessidade de anestesia por epidural e partos instrumentados, com recém-nascidos a apresentar uma maior necessidade de admissão em serviços de neonatalogia.

Os sintomas depressivos da mãe durante a gravidez também parecem estar associados ao baixo peso do recém-nascido à nascença e à restrição do crescimento intrauterino, assim como a um menor diâmetro biparietal, menor perímetro cefálico e menor peso fetal estimado.

A depressão na gravidez parece provocar uma desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, estimulando assim a libertação de hormonas de stress, como o cortisol. Ao serem libertadas estas substâncias na corrente sanguínea, há uma hipoperfusão da placenta e consequente restrição de oxigénio e nutrientes para o feto, o que restringe o crescimento intrauterino e/ou precipitação de um parto pré-termo. Os sintomas depressivos na gravidez também podem levar a um comprometimento do sistema imunitário da grávida, predispondo-a a infeções que, por sua vez, podem precipitar o parto antes do tempo.

Outros estudos científicos verificaram também que os bebés nascidos de mães com depressão apresentavam níveis de desempenho inferiores ao nível da orientação, atenção, expressividade facial e atividade motora. Também se verificou uma menor afetividade e maior descontrolo na interação mãe-bebé.

A depressão na gravidez faz com que a mulher esteja mais vulnerável à má nutrição (por ter falta de apetite), o que pode levar a um peso diminuído durante a gravidez. Os sintomas depressivos podem também aumentar o risco de a grávida consumir substâncias como álcool, tabaco ou drogas. A depressão materna também aumenta o risco de a mulher ter depressão pós-parto.

Em casos mais graves a depressão na gravidez pode mesmo levar ao suicídio ou infanticídio. Embora a ideação suicida seja algo comum em grávidas deprimidas, é muito pequena a percentagem destas que efetivamente tenta concretizar esse ato. As tentativas de suicídio ou os suicídios consumados tendem a ocorrer em casos mais graves em que a estabilidade mental da grávida está claramente comprometida, onde se verificam psicopatologias prévias ou onde existem fatores de stress e condições de vida particularmente negativas.

Diagnóstico da depressão na gravidez

O diagnóstico de depressão na gravidez é por vezes difícil, uma vez que há um estigma associado à gravidez como sendo um período de felicidade, acreditando-se que os sintomas de tristeza são incompatíveis. Por essa razão, muitas vezes a grávida pode resistir a pedir ajuda ou desvalorizar e negar os seus sintomas.

Muitas vezes os sintomas da depressão na gravidez e o desconforto típico associado à gravidez podem confundir-se, dificultando o diagnóstico.

Assim, é importante que existam rastreios por parte de profissionais de saúde no início da gravidez, para despistar possíveis fatores de risco e prevenir o surgimento de depressão na perinatal. É importante que os sinais e sintomas sejam detetados precocemente, para facilitar o tratamento eficaz e atempado. Quando os sinais de depressão na gravidez estão presentes, a mulher deve ser referenciada a um profissional de saúde especializado, nomeadamente psicólogo ou psiquiatra.  

No diagnóstico é feita uma avaliação cuidadosa dos sintomas, procurando perceber-se a sua frequência, duração e intensidade, bem como o impacto no funcionamento e na vida da grávida. Devem ser questionados os pensamentos e comportamentos, a existência de problemas de vida, a história médica e psiquiátrica, bem como a história pessoal e familiar. É importante também fazer um exame do estado mental e despistar possíveis condições médicas que possam justificar o estado depressivo.

Tratamento para a depressão na gravidez

Quando falamos em depressão, independentemente da fase em que esta ocorre, geralmente as formas de tratamento inclui medicação constituída por psicofármacos, e psicoterapia. No entanto, na gravidez ainda existem dúvidas relativamente ao custo-benefício de utilizar psicofármacos, devido aos possíveis efeitos secundários.

Sendo a gravidez um período de vida marcado por várias especificidades, é importante que a depressão perinatal seja tratada por equipa multidisciplinar, nomeadamente constituída por psicólogo, psiquiatra e obstetra.

Existem diferentes alternativas ao nível da intervenção psicológica, podendo ser feita intervenção individual ou em grupo.  Uma das abordagens terapêuticas com melhores resultados é a terapia cognitivo-comportamental, que procura monitorizar e modificar padrões de pensamento e comportamento através da educação e implementação de estratégias. Em determinadas situações pode também ser aconselhada a terapia de casal ou terapia familiar.

Prevenção da depressão na gravidez

É importante que exista uma prevenção da depressão na gravidez. Considerando que este é um período particularmente complexo e de muitas mudanças para a mulher, é fundamental ajudar na adaptação a estas mudanças para que se previnam sintomas depressivos.

Em mulheres com problemas psicológicas, como ansiedade ou depressão, em idade fértil, é importante que os profissionais de saúde estejam sensibilizados para estas questões e que abordem o assunto de uma possível gravidez futura, discutindo a contraceção, bem como a importância de um adequado tratamento do problema emocional existente.

Pode ser prudente aconselhar a mulher e continuar o tratamento e a terapia até obter resultados mais estáveis, antes de engravidar. No caso de a mulher pretender de facto engravidar, pode ser importante realizar uma consulta de preconceção para se conceber um plano estruturado para a gravidez.

Mesmo quando não estão presentes psicopatologias prévias, é importante promover nas mulheres hábitos de vida saudáveis, nomeadamente a nível da alimentação, exercício físico, padrões de sono e níveis de stress.

Também é importante que exista uma maior sensibilidade e informação disponível relativamente às questões emocionais que ocorrem durante a gravidez. Muitas vezes existem estigmas e informações pré-concebidas de que a gravidez deve ser um período maravilhoso, e pouco se fala acerca das dificuldades que lhe estão associadas.

Como tal, um meio importante de prevenção da depressão na gravidez é existir uma educação e transmissão de informação acerca da gravidez, das mudanças ocorridas, das dificuldades, das alterações emocionais e de possíveis sintomas de depressão materna e formas de prevenção.

Se está grávida ou conhece alguém que esteja, considere as seguintes dicas:

  • Ajustar expetativas, compreendendo que as expectativas enquanto futura mãe podem ter de ser reajustadas para integrar as circunstâncias e os constrangimentos que podem existir, bem como a possibilidade de imprevistos;
  • Partilhar da forma que lhe fizer mais sentido a experiência da gravidez com pessoas próximas, procurando a proximidade física e emocional e evitando o isolamento;
  • Reconhecer e validar os sentimentos e emoções que surgem nesta fase da vida, compreendendo que é normal existirem flutuações emocionais e algumas emoções negativas, não se sentindo culpada por isso;
  • Monitorizar a sua saúde e aderir o mais possível ao acompanhamento clínico, informando os profissionais de saúde que a acompanham sobre quaisquer alterações ou problemas emocionais que estiver a sentir;
  • Procure esclarecer as dúvidas ou receios que possa ter relativas à gravidez com fontes fidedignas, nomeadamente os profissionais de saúde que a acompanham;
  • Procure reforçar e manter as suas rotinas e as atividades que lhe dão prazer, com as devidas adaptações que se revelarem necessárias;
  • Cuide de si, mantendo hábitos de vida saudáveis;
  • Procure conversar com o seu bebé, para fortalecer e acentuar a criação de vínculo e relação;
  • Prepare com tempo, calma e segurança o parto e a transição para a parentalidade. Os profissionais de saúde podem ajudá-la neste sentido, e existem também diversos recursos como aulas de preparação para o parto ou mesmo doulas, que são profissionais que acompanham durante a gravidez.

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