Birras: causas, mitos e estratégias

A infância é o período do desenvolvimento do ser humano em que ocorrem as mudanças mais rápidas e mais importantes. Diariamente os pais são confrontados com diferentes situações relacionadas com a educação dos seus filhos.

A maior parte dessas situações são próprias do desenvolvimento da criança. Dada a sua elevada prevalência é de esperar que os pais tenham por vezes alguma dificuldade em lidar com as birras dos seus filhos.

Por tudo isto, redigimos o presente artigo onde, entre outros, exploraremos o que são as birras e porque acontecem, apresentando algumas estratégias para as gerir de forma eficaz.

A que idade surgem as birras?

As birras surgem igualmente em ambos os sexos, com maior ou menor intensidade, sobretudo em crianças com idades compreendidas entre os 18 e os 48 meses, com um pico entre os 2 e os 3 anos.

Coincidem com a altura em que a criança está a adquirir autonomia e a tentar dominar o meio ambiente. Desta forma, as birras são consideradas como uma fase normal do desenvolvimento infantil, caracterizando-se por acessos de cólera em resposta à frustração.

As manifestações mais comuns das birras são várias: choro, gritos, pontapés, rigidez, extensão dos membros e do tronco. Além disso, a criança pode bater nos outros, bater com a cabeça no chão ou nas paredes, morder-se, atirar-se para o chão, espernear, fugir, atirar com objetos, suster a respiração ou desencadear o vómito.

Mitos e verdade das birras

Para compreender melhor as birras e o comportamento da criança de uma forma geral, é importante desconstruir algumas ideias:

“A criança é um adulto em miniatura”

Trata-se de um mito, as crianças não são adultos de nenhuma forma. Estas tens necessidades e características diferentes. Encontra-se numa fase do desenvolvimento diferente. Por isso, também os seus comportamentos e birras devem ser lidos tendo em conta essa fase do desenvolvimento.

Não podemos interpretar como interpretaríamos o comportamento de um adulto. Por exemplo, quando é um adulto (um amigo, um colega, um familiar) que “amua” e não nos fala, interpretamos facilmente: está chateado, não gostou de alguma coisa que fiz e é a sua forma de o mostrar.

Numa criança, o amuo pode ser isso, mas também pode não ser. O não falar pode não ser por estar chateada, mas sim porque não se sente bem ou não encontra formas de expressar o que quer dizer.

“Os pais têm de saber lidar com as birras”

Ninguém nos ensina a ser pais, nem nascemos ensinados a sê-lo. Provavelmente muitas vezes sentimos que toda a gente tem uma opinião sobre como devemos ou não educar o nosso filho. E muitas vezes surge a culpa associada a atitudes que tomamos ou que não tomamos. Mas a verdade é que não somos obrigados a saber.

Muitas vezes é uma aprendizagem por tentativa-erro. E o que fazemos é dar o nosso melhor. Quanto mais culpados nos sentirmos, menos capazes estaremos para lidar com os desafios que as crianças nos apresentam.

“As birras são para desafiar os pais”

Como vimos, as crianças não são adultos em miniatura. Elas não pensam assim tao complexamente de modo a planearem uma birra para desafiarem os pais. Se elas têm o comportamento, existe sempre uma causa. E se existe uma causa também existirá uma solução, só que ela nem sempre é perfeitamente visível ou identificável.

“Existem soluções universais para as birras”

Cada criança, cada pai ou mãe, cada família, têm necessidades, características, histórias diferentes. Mais importante do que aplicar técnicas é esforçarmo-nos por compreender. Por exemplo, é bom uma criança aceitar sempre bem um “não”? Depende, poderá ser positivo porque a criança sabe regular a sua frustração, ou pode querer dizer que ela está resignada e não expressa as suas emoções.

Quais as causas das birras?

As causas das birras devem-se ao facto de a criança não possuir, ainda, mecanismos para lidar com a frustração, a sua linguagem verbal é insuficiente, não tem capacidade para perceber o futuro e adiar as suas vontades e tem poucas competências para resolver problemas.

A criança pode recorrer às birras para chamar sobre si a atenção do adulto ou, sobretudo a partir dos 3 anos quando já domina melhor a linguagem falada, como forma de obter o que quer.

Assim, as birras podem acontecer por variadas razões:

  • Porque a criança ainda não possui mecanismos eficazes para lidar com a frustração;
  • A criança tem dificuldade em comunicar as suas necessidades – a linguagem verbal pode ainda não estar suficientemente desenvolvida para que a criança expresse o que quer ou sente de forma adequada;
  • Há um desejo de independência – ou seja, a criança tenta realizar tarefas que estão para além das suas capacidades e tem curiosidade em fazer coisas que podem não ser permitidas ou adequadas para a sua idade;
  • A criança não tem ainda capacidade para compreender a noção de tempo e de futuro e, por isso, é-lhe difícil adiar as suas vontades e desejos;
  • A criança ainda não possui um leque alargado de estratégias para resolução de problemas;
  • A criança pode estar a ser estimulada em demasia – tem demasiados brinquedos novos, vê demasiados filmes ou vídeos, frequenta demasiadas atividades, etc. Este excesso de estimulação pode não só tornar a criança mais irritadiça como fazer com que deixe de usar a imaginação e se aborreça com facilidade se não for constantemente entretida.

Existem também fatores desencadeantes que fazem com que a probabilidade de as birras acontecerem sejam maiores: fome, sono, cansaço, contextos ou ambientes novos / estranhos e determinados momentos do dia como a hora de deitar ou a hora das refeições.

É importante manter e estruturar uma rotina e ser consistente, assim como entender em que fase do desenvolvimento a criança se encontra e que desafios ela irá enfrentar.

Por exemplo, numa criança com 2 anos alguns desafios são aprender a tornar-se mais independente do ponto de vista físico (andar, trepar, correr), aprender a comunicar as suas necessidades, aprender a alimentar-se sozinho, a vestir-se e despir-se, etc.

A partir dos 3 anos a criança poderá ter outros desafios, como fazer amizades com outras crianças, aprender a seguir as instruções na sala de aula, aprender boas maneiras, assumir a responsabilidade pelos seus próprios atos, etc.

É importante percebermos que isto constitui um desafio para a criança, e que devemos ampará-la na sua concretização e tentar perceber o porquê do seu comportamento e das birras.

Exemplos de situações que podem desencadear birras:

  • Quando a criança que em vez de comer está a brincar com a colher. Podemos assumir que ela está a desafiar o adulto, no entanto, dependendo da idade da criança, as razões podem ser outras: A criança pode:
    • querer explorar a colher porque nessa fase do desenvolvimento a exploração do mundo e dos objetos é muito importante;
    • não perceber inteiramente a diferença entre objetos para brincar e objetos que não são para brincar, ou momentos de brincar e momentos em que não o pode fazer.
  • Quando a criança está frustrada por não conseguir realizar uma tarefa e começa a atirar os brinquedos. Aquilo que acontece é que a criança tem dificuldade ainda em gerir a sua frustração e em acalmar-se ou autorregular-se.
  • Quando a criança chora porque lhe dizem que agora não pode brincar, podemos facilmente assumir que quer chamar a atenção e chora para obter o que quer. Na realidade, isto acontece porque a criança não tem os mesmos mecanismos do adulto para lidar com a frustração gerada por algo que pretende e que lhe é recusado.

Quando se preocupar com as birras?

Embora as birras sejam naturais no desenvolvimento da criança, existem alguns sinais de alarme que podem levar os pais à procura de ajuda profissional, de um psicólogo por exemplo:

  • Quando as birras aumentam de frequência, duração e intensidade, sendo impossível controlá-las;
  • Quando a criança se magoa ou magoa os outros;
  • Quando a criança destrói brinquedos ou outros objetos;
  • Quando as birras ocorrem com muita frequência na escola;
  • Quando os pais reagem com agressividade às birras dos seus filhos.

Estratégias para lidar com as birras

Pais e filhos têm papéis distintos na hierarquia familiar, sendo esperado que cada um desempenhe o seu, ao mesmo tempo que respeita o outro. Ajudar a criança a aprender e a cumprir as regras sociais faz parte do papel dos pais, sem que isso impeça o estabelecimento de uma relação de proximidade com a criança.

Um ambiente familiar estruturado, onde a criança sabe que existem limites e o que esperam do seu comportamento, ao mesmo tempo que recebe carinho e compreensão facilita a aprendizagem das normas sociais e ajuda a desenvolver um sentimento de confiança.

O que fazer para lidar com as birras?

Existem estratégias construtivas de educação que proporcionam o desenvolvimento de uma relação aberta e saudável. As recompensas, os elogios e os incentivos são alguns exemplos, ao mesmo tempo que a punição moderada e as consequências são soluções para que a criança cresça com um sentido de responsabilidade e de competência.

1. Clarificar fronteiras

É importante conseguir definir bem os papéis e as tarefas de cada um dos elementos da família, deixando claro à criança que não lhe cabe tomar decisões e dizer aos pais o que fazer.

2. Definir regras, adaptando-as à criança

É importante definir regras de acordo com os valores da família (normas e valores sociais) adaptando-as à personalidade da criança. Algumas regras podem ser mais flexíveis, outras não, como cumprir os horários das refeições e da hora de deitar.

3. Acabar com as “palmadas”

A criança observa e reproduz o que vê, validando o seu comportamento conforme a tolerância do adulto, ao serem agressivos os pais constituem-se como modelo de agressividade que legitima o uso da força para conseguirem o que desejam, ao mesmo tempo que não ensinam a criança a lidar com a emoção e a controlar-se.

Existem outras formas mais eficazes para os pais demonstrarem o seu desagrado e lidarem com as birras, como por exemplo, deixar claro à criança que os comportamentos não desejados têm consequências, como a proibição de ver um desenho animado, dos jogos de computador, da sobremesa, entre outras coisas.

É importante que não seja retirado tudo de uma vez, mas sim que cada punição implique o não acesso a uma regalia durante um tempo estabelecido pelos pais (nunca mais de um dia), sendo dada a oportunidade à criança de voltar a receber o que lhe foi retirado após o cumprimento do tempo da punição.

4. Realçar as qualidades da crianças

Apesar do comportamento da criança e das suas birras é essencial não esquecer as suas qualidades, usando-as como formas de vencer a impulsividade, fazendo com que as suas experiências de sucesso, gerando um sentimento de competência que a motive a continuar e aumente a sua autoestima.

5. Antecipar a presenças de problemas

Os pais devem começar por compreender como e onde os comportamentos inadequados e as birras aparecem e o que os mantém presentes. Também é importante identificar os fatores que os desencadeiam, como os pais atuam e como a criança reage e, posteriormente, como lidam com a reação da criança.

Ao identificar esses aspetos os pais podem alterar aquilo que não está a funcionar bem. Naturalmente, isso não acontece de um dia para o outro, sendo melhor que os pais comecem por pensar em alternativas para as situações mais prováveis de acontecer, combinando com a criança como vão agir e quais as consequências do seu comportamento.

6. Não à “mimalhice”

A “mimalhice” exige a satisfação de todas as vontades da criança, sob a máscara da troca de afeto, o que incrementa a probabilidade de as birras acontecerem. Há que esclarecer que amar não significa fazer todas as vontades, os pais não devem ter receio de demonstrar à criança que não pode fazer tudo o que quer, que é necessário respeitar as outras pessoas.

7. Conquistar a obediência

Ninguém nasce obediente ou desobediente, mas aprende a sê-lo em função dos estímulos que o meio oferece e de como as pessoas reagem perante o seu comportamento. Os pais devem ser firmes e consistentes nas suas atitudes, para que a criança os respeite e obedeça ao que dizem.

8. Não é não!

A criança deve compreender que quando os pais lhe dizem que não, ela está obrigada a respeitar. Para tal, os pais têm de ser firmes e não ceder perante as birras da criança, só assim ela poderá entender que não é não.

9. Ajudar a criança a obedece

É essencial que os pais se certifiquem que a criança está atenta ao que lhe dizem, certificando-se que ela ouve e compreende o que lhe dizem, para que possa obedecer. Desta forma, é importante retirar os estímulos externos quando fala com a criança (ex. apagar a televisão, olhar nos olhos da criança), e adequar a linguagem à criança.

A maneira mais fácil de ajudar a criança a perceber o tempo é através da sua brincadeira: “dás mais duas voltas no triciclo e depois vamos tomar banho”, caso ela não cumpra, o progenitor, deve ir buscá-la e, olhando-a nos olhos, dizer que acabou a brincadeira porque é hora do banho, para assim, evitar os gritos e os desentendimentos.

O que não fazer para lidar com as birras?

Existe também um conjunto de atitudes que os pais devem evitar tomar, pois reforçam os problemas de comportamento e as birras:

1. Longo sermões depois das birras

Quando consideram que o comportamento da criança exige uma chamada de atenção, os pais devem fazê-la de forma breve e firme, para evitar que a criança se distraia.

2. Ameaças e mais ameaças

Quando a criança não obedece aos pais é preferível ter uma atitude calma e refletida, se for necessário, esperar um momento para parar e pensar antes de fazer alguma ameaça irrefletida que depois não se concretize. Desta forma, será mais fácil à criança acreditar que quando os pais dizem alguma coisa estão a falar a sério.

3. A desautorização entre os pais

Por vezes os progenitores não estão de acordo na definição das regras, no entanto, para que tal não se transforme num problema, é necessário identificar as situações que causam mais desentendimentos, para que possam agir em conformidade. Deste modo, quando um castiga ou elogia o outro não deve criticar, pelo menos na presença da criança. Desta forma, fica claro à criança que o que um dos pais decide é para ser cumprido.

Caso os pais não estejam de acordo, devem discutir alternativas em conjunto, quando estiverem a sós e nunca na presença da criança.

4. Gritar para lidar com as birras

A única vantagem é de aliviar a tensão, no entanto, as desvantagens são maiores: mostra descontrolo e convida a fazer o mesmo: vence quem fala mais alto!

A inconsistência: os pais devem ser firmes e consistentes, usando sempre a mesma estratégia em situações semelhantes, sem esquecer que a não consistência nas regras é um convite para o fracasso e permite que a criança obtenha aquilo que deseja mesmo quando não obedece.

5. Ceder às birras das crianças

A reação do adulto ao lidar com as birras é muito importante e pode pôr fim à mesma ou dar-lhe mais forças, mantendo a sua presença. Dependendo das situações, o melhor é ignorar as birras e sair de perto da criança. Deixamos algumas sugestões:

  • Caso as birras sejam em casa, deixar a criança chorar num lugar seguro até acalmar-se pode ajudar. Quando perceberem que a criança está mais calma aos pais podem apenas perguntar se a birra já foi embora e continuar a atividade que estavam a fazer, sem sermões.
  • Caso as birras apresentem contornos de agressão, pode ser aplicada uma punição, como por exemplo, não obter o objeto que motivou a birra. Isso permite à criança controlar-se melhor, prevendo as consequências dos seus comportamentos no futuro.
  • Caso as birras sejam em lugares públicos, a criança deve ser retirada do centro do palco. A assistência das outras pessoas é tudo o que a birra precisa para ficar mais forte. Recorrer a ameaças e tentar assustar a criança não ajuda nada e apenas contribui para aumentar a tensão. Da mesma forma que, em casa, os pais também não devem ceder nem dialogar com as birras, quando todos estiverem mais calmos pode ser dada uma breve explicação à criança de que os pais não gostaram daquele comportamento e que sempre que se repetir será punido. Fundamental é o cumprimento do que for dito à criança para que ela saiba com o que contar.

Esperemos que este artigo sobre birras lhe possa vir a ser útil. Caso se tenha identificado com algum dos sinais de alarme indicados acima ou se quiser ter aconselhamento sobre como lidar com as birras, procure um psicólogo infantil.

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