Autoestima na gravidez: lidar com as mudanças corporais

A gravidez é uma fase de inúmeras mudanças e transformações em diferentes dimensões: física, psicológica, social, emocional… Estar grávida e gerar um ser transforma o nosso corpo e também nos transforma enquanto pessoas, traz-nos novos papéis, questionamentos e desafios.

Em todo este processo de metamorfose, em que o nosso “eu” passa por tantas mudanças, é inevitável que a imagem que temos de nós próprias se reconfigure. Com isso, a nossa autoestima também oscila, para acomodar tudo o que de novo somos e tudo o que, eventualmente, deixamos de ser. Não quer isto dizer que a autoestima sofra sempre negativamente com a gravidez, mas sim que, inevitavelmente, existem desafios novos a esse nível.

Neste artigo, vamos refletir sobre os principais desafios ao nível da autoestima na gravidez, pensando também nalgumas estratégias que podem ajudar a equilibrar este processo de forma mais saudável.

Importância da autoestima na gravidez

Muitas vezes, ainda que de forma não-intencional, o foco da atenção durante a gravidez é o bebé, o ser que está a ser gerado. As preocupações são sobre como está o bebé a desenvolver-se, se está tudo bem, e a grávida e as suas necessidades individuais acabam por ser, de alguma forma, menosprezadas. Desta forma, muitas vezes não se compreende verdadeiramente o quão importante é a autoestima na gravidez.

A verdade é que, antes de grávidas ou mães, somos pessoas e temos as nossas necessidades, físicas e emocionais. Não devemos esquecermo-nos de nós. E não devemos desvalorizar as nossas emoções e os desafios enfrentados.  

Na minha experiência, inconscientemente pensava muito que agora o meu foco teria de ser o bebé, e isso teria de estar sempre acima de mim mesma. Preocupar-me com as espinhas que nasciam na cara e que nunca na minha vida tinha tido era uma coisa supérflua, eu não devia pensar nisso, afinal, tudo vale a pena pelo bebé. O próprio discurso das outras pessoas, sem ser de forma intencional, acabava por reforçar esta mensagem. E a verdade é que isto nos vai fazendo engolir sentimentos, em nada ajudando a nossa autoestima na gravidez.

É muito importante considerarmos a autoestima na gravidez e procurarmos mantê-la o mais saudável possível. Uma autoestima na gravidez mais baixa constitui um maior risco de a mulher vir a desenvolver perturbações psicoemocionais no pós-parto, como a depressão pós-parto. De facto, os estudos demonstram que a autoestima na gravidez é preditora de sintomas depressivos, tanto durante o terceiro trimestre de gravidez, como nas semanas após o parto. Há, por isso, quem defenda que a avaliação da autoestima na gravidez deveria até fazer parte da vigilância pré-natal.

Transformações corporais durante a gravidez

Embora a autoestima na gravidez não se restrinja apenas à dimensão física ou corporal, a verdade é que esta também tem impacto, e que quando pensamos em autoestima na gravidez pensamos, muitas vezes, na (in)satisfação sentida com o nosso corpo e a imagem corporal.

Na gravidez, o corpo transforma-se e são várias as alterações físicas que ocorrem para permitir o gerar de uma vida. É importante, de facto, conhecermos o nosso corpo e conhecermos também quais as principais mudanças que podem acontecer e como nos podemos adaptar a elas, para que a autoestima na gravidez possa estar mais protegida.

Algumas alterações corporais esperadas durante a gravidez são:

  • Fadiga e cansaço;
  • Crescimento da barriga;
  • Aumento progressivo e gradual de peso;
  • Aumento das secreções vaginais;
  • Tensão ou sensibilidade mamária;
  • Alteração do tamanho ou sensação das mamas, que podem ficar firmes e sensíveis;
  • Inchaço, sobretudo nas pernas, podendo surgir varizes nas pernas e na zona da vulva;
  • Alterações da pele, que se podem caracterizar por: presença de melasma (manchas na pele) e alterações na pigmentação; acne; linha escura (linha nigra) no meio da barriga; estrias e “aranhas” vasculares.

Gostarmos do nosso corpo não tem apenas a ver com o número que se reflete na balança, com o aumento de peso normal e esperado na gravidez. Tem, sim, a ver com como nos sentimos connosco e com o nosso corpo.

O corpo passa por uma verdadeira transformação durante a gravidez. E é importante lembrarmos que o corpo da mulher está perfeitamente preparado para isso, do ponto de vista físico. Está preparado para acomodar todas as transformações da gestação. Nem sempre, no entanto, esta preparação é tão fácil e pré-existente do ponto de vista psicológico e emocional.

Eu sabia que o meu corpo iria mudar durante a gravidez, mas não sabia como nem de que forma. E não houve grande maneira de me preparar previamente para essas mudanças a nível psicológico emocional, apenas pude vivê-las à medida que iam acontecendo e tentando acolher as emoções que acompanhavam todas estas mudanças e descobertas.

Que outras alterações acontecem?

Não é só no corpo que acontecem as mudanças durante a gravidez, e existem também mudanças e alterações noutras dimensões.

Afinal, estamos a atravessar uma fase de transformação, de adaptação a uma nova fase da vida. Temos de começar a integrar um novo papel, talvez o mais importante da nossa vida: o papel de mãe.

É também possível que sintamos mudanças em nós de diferentes perspetivas: a nossa energia não é a mesma, não temos a força anímica de antes para fazer diversas coisas durante o dia, e, para quem tende a ser muito ativo, isto pode ser difícil de gerir e fazer-nos pensar “quem sou eu agora, que não me reconheço?”.

Pode acontecer termos de abandonar ou, pelo menos, reajustar certas atividades e ocupações, seja a nível profissional ou de lazer. Certas profissões podem acarretar riscos para a gravidez, mas, mesmo que não seja o caso, podemos sentir que o nosso rendimento e produtividade se alteraram, ou que temos de fazer as coisas de uma outra forma. Também na nossa vida extratrabalho pode ter de haver ajustes. Se costumávamos treinar, por exemplo, não temos de deixar de o fazer, já que o exercício físico é importante durante a gravidez. No entanto, podemos sim ter de fazer ajustes e adaptações ao treino e à sua intensidade. Se temos uma natureza mais competitiva, pode ser difícil aceitar que agora não vamos estar no pico do nosso desempenho atlético.

Uma outra mudança que pode ser sentida é o que comumente ouvimos chamar de “cérebro de grávida”. De repente, esquecemo-nos mais das coisas, trocamos detalhes ou pormenores… A verdade é que existem razões para isto, e há um ajuste pré-natal do tamanho cerebral, que é desfeito após o parto, com o bónus de o cérebro atingir a sua maturidade de funcionamento, pois terá mais atividades a desenvolver e coordenar. Não podemos ainda esquecer que as hormonas da gravidez nos deixam mais focadas no bebé e mais sensíveis, o que nos pode fazer estar mais distraídas em relação a outras coisas. O hemisfério direito do cérebro, mais ligado à parte emocional e criativa, está mais ativo do que o esquerdo. E, por fim, as células fetais podem migrar para o cérebro materno, segundo estudos recentes.

Em suma, passamos por um sem número de alterações e mudanças que podem levar a que tenhamos de olhar para esta pessoa diferente que agora somos. E isto é desafiante e exigente para a nossa autoestima.

Como está a minha autoestima na gravidez?

No meio de tantas mudanças e desafios, podemos ter alguma dificuldade em perceber em que ponto se encontra a nossa autoestima na gravidez. É normal e expectável que não tenhamos de estar sempre bem e que, por vezes, nos sintamos insatisfeitas com alguns aspetos da gravidez ou com dificuldade de os integrar. Não tem de ser tudo uma felicidade constante e é perfeitamente saudável que haja todo um espectro de emoções, incluindo algumas mais desagradáveis.

Mas como saber onde se situa a fronteira? O que nos pode ajudar a perceber se apenas estamos a reagir emocionalmente de forma normativa, ou se a nossa autoestima está realmente a sofrer um golpe, e precisamos de procurar reencontrar o equilíbrio?

Eis alguns dos sinais que podem indicar que a autoestima na gravidez está diminuída e que precisamos de estar atentas:

  • Sensação frequente de não ser capaz;
  • Diálogo interno negativo persistente (criticarmo-nos muito, estarmos sempre a “deitar abaixo”);
  • Ter muita dificuldade em olhar ao espelho, evitar fazê-lo ou fazê-lo a muito custo e com sofrimento;
  • Humor deprimido persistente;
  • Sentimentos de stress e ansiedade frequentes;
  • Dificuldade ou incapacidade em reconhecer em nós aspetos positivos.

Como proteger a autoestima na gravidez?

Pelo meio de todos os desafios e (re)ajustes durante a gestação, há algumas formas de protegermos a nossa autoestima na gravidez:

  • Priorizar o autocuidado, não esquecendo de cuidar de nós e evitando a tendência para um foco exclusivo no bebé. Continuamos a existir, a sermos pessoas e mulheres antes de sermos mães. Além disso, cuidarmos de nós fará também de nós mães melhores e mais disponíveis para os nossos filhos. Então, é importante pensar: quem sou eu? O que gosto de fazer? Como gosto de cuidar de mim? E priorizar essas formas e momentos de autocuidado;
  • Adotar hábitos de vida saudável, como a alimentação equilibrada, a prática de exercício físico e hábitos de sono adequados;
  • Prepararmo-nos para as alterações físicas de forma equilibrada e evitando as comparações. Por vezes, pode haver tendência a cairmos num dos extremos: ou ignorarmos as mudanças que podem acontecer, ou estarmos demasiado expectantes para elas, antecipando algo que pode nem acontecer da forma que esperamos. Não é porque a amiga aumentou 20 kg ou teve acne que nós também teremos, assim como o facto de a colega de trabalho ter tido uma “gravidez santa” e não ter engordado quase nada não faz com que tenhamos de nos exigir o mesmo. É importante conhecermos as alterações que podem ocorrer, mas prepararmo-nos de forma calma e equilibrada, percebendo que cada corpo é um corpo e que temos de respeitar as particularidades e o ritmo do nosso;
  • Não desvalorizar as emoções e necessidades, sejam elas quais forem. Há, por vezes, uma tendência a achar que o foco tem de ser o bebé e o papel de mãe, e que tudo o resto é supérfluo ou de menor valor. No entanto, isto não é verdade. Temos direito a sentirmo-nos bem e a querer estar mais confortáveis durante a gravidez, e devemos continuar a ser a nossa prioridade. Por isso, se o acne nos incomoda, não devemos ter vergonha ou receio em dizer que ele nos incomoda e, se for possível, procurar soluções ou terapêuticas que possam ajudar;
  • Escolher roupas confortáveis e que nos façam sentir bem. Atualmente, felizmente, existem já diversas opções adaptadas a diferentes estilos e gostos, pelo que não é por estarmos grávidas que temos de deixar de gostar de cuidar da nossa aparência e da nossa forma de nos apresentarmos;
  • Diminuir o nível de exigência, compreendendo que ninguém é perfeito e que, além disso, ninguém tem de se sentir bem constantemente. A autoestima saudável não é aquela que está sempre nos píncaros, e ter uma boa autoestima não significa sentirmo-nos constantemente bem e deslumbradas pela nossa própria existência; isso seria, na verdade, narcisismo. A autoestima tem oscilações, e está tudo bem com isso. É normal reconhecermos as nossas falhas, é normal haver coisas que gostamos em nós e outras que não gostamos tanto, é normal haver dias de maior amor-próprio do que outros. O importante, na verdade, é o equilíbrio, e permitirmo-nos a esse equilíbrio;
  • Permitir o(s) luto(s) e sentir as perdas que advêm com a gravidez, porque não são só coisas boas e devemos permitirmo-nos a sentir as perdas e mudanças. Porque agora já não podemos ir correr a maratona, ou porque aquela tatuagem que desejávamos fazer vai ter de ser adiada até depois da amamentação, ou porque já não podemos ser “a alma da festa” e dançar de copo na mão a noite toda, ou porque dormir até tarde parece uma miragem… É tudo válido e legítimo e devemo-nos permitir a fazer esses lutos, pois só assim poderemos melhor celebrar e usufruir de todos os ganhos que também existem e existirão;
  • Perceber que muitas das mudanças são temporárias, próprias da gestação e que, por isso, também desaparecerão quando esta fase desvanecer e der lugar a outra;
  • Priorizar e focar em coisas e atividades que nos façam sentir bem connosco. Se temos alguma atividade em que somos particularmente boas, investir nessa atividade ajudará a autoestima na gravidez. Da mesma forma, estar com pessoas que nos fazem sentir bem e que sobressaem o melhor que há em nós, também é uma boa estratégia;
  • Filtrar as opiniões e críticas alheias, que tendem a ser abundantes na gravidez e maternidade. Toda a gente pode parecer ter uma opinião para dar e a verdade é que, num período tão sensível, estas opiniões podem não ajudar na nossa autoestima. Por isso, desenvolver um filtro que nos ajude a sermos um pouco mais impermeáveis a estas opiniões alheias é uma forma importante de proteção;
  • Procurar informação e conhecimento, relativa à gravidez, parto e pós-parto, pois conhecimento é poder, e quanto mais nos sentirmos preparadas e informadas, melhor sentiremos conseguir enfrentar os desafios existentes e os que estão por vir;
  • Perceber a importância de pedir e aceitar ajuda e não querermos sempre ser a “supermulher”!

A intervenção psicológica pode ajudar?

Para além de todas as estratégias que possamos adotar, muitas vezes pode ser importante e necessária a intervenção psicológica, para proteger e promover uma saudável autoestima na gravidez.

O/a psicólogo/a pode ajudar a grávida a compreender e integrar o processo pelo qual está a passar, encontrando formas de se adaptar à nova realidade. O objetivo será sempre o de promover o bem-estar da grávida e recuperar o seu equilíbrio psicológico e emocional, que se revela ainda mais necessário nesta fase desafiante da gravidez e do pós-parto.

Procurar ajuda é importante e devemos fazê-lo sempre que acharmos necessário, pois isso permitir-nos-á viver de forma mais feliz e equilibrada esta fase desafiante, mas também mágica da vida!

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