O momento em que se veem formar as duas linhas ou a palavra “grávida” no teste de gravidez é um momento impactante. Se a gravidez for desejada, é muitas vezes um momento muito aguardado e desejado. Depois do impacto inicial e de todas as emoções emergentes, pode acontecer existir uma enorme vontade de partilhar a boa-nova com o mundo; ou, pelo menos, com as pessoas que sabemos que vão partilhar da nossa alegria e colori-la ainda mais.
No entanto, dita o bom-senso e todas as diretrizes que ouvimos por aí, que é tempo de esperar e aguardar. Que a cautela deve ser a premissa. Sem sabermos bem onde ou como, ouvimos e conhecemos a regra de “só se conta a partir dos três meses” porque “pode acontecer alguma coisa”.
Se para algumas pessoas cumprir esta premissa pode ser fácil porque querem que aquele momento seja só seu, ou do casal, para outras não poder partilhar algo tão importante pode ser um verdadeiro suplício difícil de suportar durante três meses.
Mas será que há, afinal, uma altura certa para anunciar a gravidez? Estas regras fazem sentido?
Porque temos (ou não) vontade de anunciar a gravidez?
Querer anunciar a gravidez e sentir esta vontade não é algo vivenciado da mesma forma por todas as pessoas. Mas, para muitas, há de facto esta vontade. E não é difícil perceber o porquê. Estamos a atravessar um momento importante, em que tudo está a mudar ou vai mudar, muitas vezes torna-se difícil pensar noutra coisa, e temos de fingir que nada está a acontecer, que tudo permanece igual.
Também há vários outros motivos para existir vontade de anunciar a gravidez, para além de partilhar a alegria vivida: o poder ter alguém com quem partilhar aquilo que se está a sentir, não só as emoções positivas, mas também os medos, receios, inseguranças; o poder questionar e procurar ajuda sobre várias questões que agora nos assaltam associadas à gravidez; o querer ter companhia e suporte em várias coisas associadas à gravidez, como as primeiras consultas; a dificuldade em encontrar desculpas e justificações para esconder os sintomas que surgem no primeiro trimestre, como os enjoos, a sonolência, entre outros.
Quando descobri que estava grávida, desejava-o muito. Era algo planeado, desejado e que estava no centro dos meus objetivos e desejos naquele momento. Por isso, ver o positivo no teste de gravidez foi uma avalanche de emoções, entre a incredibilidade e o êxtase. A partilha com o meu companheiro foi imediata, porque era algo que desejávamos em igual medida e queria que vivêssemos a mesma alegria em conjunto.
Ter de ir trabalhar ou de estar com pessoas próximas nesse dia foi difícil; concentrar-me era difícil porque o meu pensamento ia para o que sabia que agora estava a acontecer dentro de mim. Era difícil conversar com as pessoas da minha vida sem poder partilhar com elas a coisa mais importante que estava a acontecer na minha vida naquele momento. E, por isso, desejava muito poder fazê-lo, embora, ao mesmo tempo, também tivesse o receio e a cautela a obrigarem-me a colocar o pé ao travão.
Não é assim para toda a gente, e há muitas pessoas que gostam de poder viver este momento inicial só para si. Como se, naquele intervalo de tempo, aquela gravidez fosse só sua, antes de ser visível para o mundo. E há, para elas, algo de belo e feliz nisso.
Não há uma forma certa de sentir as coisas, e a vontade de anunciar a gravidez ou a ausência dessa vontade podem ser reações perfeitamente naturais. Não podemos esquecer também que para algumas pessoas a gravidez não foi algo planeado, por vezes não é propriamente desejada, o que traz outro tipo de emoções a este momento e torna a questão de anunciar a gravidez bastante diferente.
Em síntese, todas estas emoções são válidas e legítimas. Se sente vontade de anunciar a gravidez e tem dificuldade em conter-se, é natural e compreensível. Se não sente essa vontade e está feliz em esperar por o fazer, também está tudo bem.
Porquê a regra dos 3 meses?
Mas afinal, porque é que se convencionou a regra de anunciar a gravidez apenas ao fim dos primeiros 3 meses?
O marco temporal dos 3 meses para anunciar a gravidez tem a ver com este representar o final do primeiro trimestre de gravidez. O primeiro trimestre de gravidez é, digamos assim, o mais instável ou sensível. É nesta fase que se verifica se a gravidez é ou não viável e que a maior parte dos abortos espontâneos acontecem.
Existem várias intercorrências que podem ocorrer e que são tanto mais prováveis quanto mais precoce for o momento em que se descobre a gravidez. Se o teste de gravidez for feito muito cedo, podemos ter um resultado positivo, mas que não se traduz numa gravidez clínica – é a chamada gravidez química. Esta acontece quando o óvulo fecundado pelo espermatozoide alcança a cavidade uterina e se tenta implantar no endométrio, no entanto, o embrião não é de facto implantado e a gravidez não evolui. Muitas mulheres não se apercebem desta situação porque ela acontece numa fase muito precoce e existe depois um sangramento semelhante à menstruação.
Podem existir outras complicações que inviabilizam a evolução da gravidez numa fase inicial, como a gravidez anembrionária (em que o óvulo fertilizado se implanta no útero, mas não há desenvolvimento de um embrião) ou gravidez ectópica (quando o embrião se começa a desenvolver fora do útero).
Todas estas questões são geralmente detetadas numa primeira consulta médica, através de um primeiro ultrassom. Às 6/7 semanas já é possível analisar estas questões e verificar se há de facto uma gravidez clínica passível de evoluir. Então, se podemos saber isso às 6/7 semanas, porquê esperar 3 meses para anunciar a gravidez?
Mesmo após a confirmação clínica da gravidez, durante o 1º trimestre a probabilidade de a gravidez não evoluir, existindo uma perda gestacional ou aborto espontâneo, é de cerca de 20%. Cerca de 10 a 15% das gestações confirmadas resultam em aborto espontâneo, e até 25% de todas as gestações resultam em aborto espontâneo durante as primeiras 12 semanas de gestação. Geralmente, nesta fase precoce, os abortos espontâneos resultam de anomalias cromossómicas, pelo que não há nada que se possa fazer para controlar ou prevenir este fenómeno. Podemos dizer que é a natureza a fazer o seu trabalho e a “eliminar” um embrião que, por alguma razão genética, não era viável.
Quanto mais as semanas passam e a gravidez evolui, mais diminui a probabilidade de aborto espontâneo. Quando se verifica que está tudo bem num ultrassom às 6 semanas, a probabilidade de vir a ocorrer um aborto espontâneo é de cerca de 10%; às 8 semanas já passa para cerca de 6% e às 11 semanas não chega a 2%.
Como a minha gravidez foi muito desejada e planeada, quando descobri que estava grávida já tinha algum conhecimento de todas estas informações. Por isso, vivi uma série de medos e incertezas, por fases. Antes da primeira consulta, tinha medo de que a minha gravidez fosse química e não fosse evoluir. Como fiz a consulta numa fase precoce – estava de 5 semanas – ainda não se conseguia ver o embrião, por isso, até à consulta seguinte, passadas duas semanas, tive medo de ter uma gravidez anembrionária. Depois de ver os dois embriões e de suspirar de alívio, o medo não desapareceu, e pesquisava amiúde por estatísticas de abortos espontâneos, sempre à procura de ver a probabilidade de isso acontecer diminuir à medida que as semanas passavam. Pensava sempre para mim que queria muito que aqueles 3 meses passassem rápido, para poder finalmente “respirar” (mal sabendo que depois viriam outros medos e receios…).
É esta fragilidade que caracteriza o 1.º trimestre que faz com que se tenha convencionado anunciar a gravidez quando esta primeira fase termina. No entanto, isto não significa, de todo, que tenhamos de seguir esta regra à risca ou que só possamos anunciar a gravidez após os 3 meses.
Esta regra vem, na verdade, do facto de termos ainda muita dificuldade de lidar com circunstâncias difíceis e de falar em perda; advém do facto de ainda não se saber encarar e gerir uma perda gestacional. Como ninguém quer lidar com isso, prefere-se muitas vezes o silêncio. Na verdade, a perda ou o desfecho desfavorável não está no nosso controlo e pode acontecer a qualquer momento. Vermo-nos impedidas de usufruir de um momento por esse fantasma do medo pode ser limitador, quando na verdade não existe nenhuma garantia, nenhum período 100% seguro, nenhuma bola de cristal. Gerar vida é uma entrega, é abrir mão do controlo; por isso, que possamos escolher aquilo que, de alguma forma, podemos controlar – que é como queremos viver a gravidez e as suas diferentes fases e desfechos.
Vantagens e desvantagens de anunciar a gravidez antes dos 3 meses
Mesmo conhecendo todas as fragilidades que podem acompanhar o primeiro trimestre de gravidez, tal não é imperativo de que não se possa anunciar a gravidez antes do final desse período, por várias razões.
Em primeiro lugar, embora as probabilidades de algo não correr bem serem consideráveis, não são assim tão elevadas. Uma vez que a gravidez está confirmada por um ultrassom, a probabilidade de evoluir é maior do que a de acontecer alguma intercorrência. Assim, quando decidimos não anunciar porque temos este medo, estamos a jogar pelo seguro com base numa probabilidade que, não sendo baixa, também não é propriamente alta.
Em segundo lugar, o facto de algo poder acontecer não invalida podermos anunciar a gravidez, precisamente porque, se algo acontecer, poderemos ter mais apoio e suporte, do que se tivermos de passar por esse processo sozinhas.
Este era o principal fator que pesava em mim quando sentia a vontade de anunciar a minha gravidez. Por um lado, não queria partilhar quando havia ainda o risco de as coisas poderem não evoluir favoravelmente, porque depois teria de lidar com a dor da perda e ainda o desconforto de ter de contar às pessoas. Por outro lado, queria estar acompanhada, quer na alegria que estava a sentir, quer na possível dor que sentiria se algo não corresse bem.
Não poder anunciar a gravidez durante 3 meses é, muitas vezes, votarmo-nos a um silêncio que nos isola e nos impede de desfrutar de praticamente um terço da gravidez. Independentemente de a mulher anunciar ou não a gravidez, ela já está grávida. Esse processo está a acontecer em si e não há uma volta atrás. Quer o bebé nasça ou não, a mulher está a viver a experiência de gerar. E essa deve ser uma experiência vivida da forma que lhe fizer mais sentido.
Existem, assim, vantagens e desvantagens em anunciar a gravidez antes do marco dos 3 meses. A nível das vantagens, podemos identificar:
- Partilhar a alegria sentida com as pessoas próximas;
- Não ter de esconder e arranjar desculpas ou justificações constantes;
- Poder partilhar emoções, dúvidas, receios, inquietações;
- Poder fazer perguntas de forma aberta e transparente e procurar alguma tranquilização;
- Poder ter um maior suporte e apoio;
- Poder ser apoiada caso alguma coisa não corra bem, pelas pessoas que lhe são queridas, não tendo de viver um luto silencioso e escondido;
- Não ter de ocultar e deixar de viver ou usufruir de praticamente um terço da gravidez.
No que concerne às desvantagens de anunciar a gravidez antes do final do 1.º trimestre, importa ter em atenção que:
- A informação deixa de ser só da grávida ou do casal, e perde-se o controlo sobre o que as outras pessoas poderão fazer com essa informação (a quem vão contar, de que forma vão abordar a questão, etc);
- Pode ter de se lidar com pessoas que sejam mais intrusivas, querendo interferir de forma não desejável pela grávida ou o casal;
- Caso aconteça alguma coisa ou a gravidez não evolua, pode ser doloroso ter de partilhar isso com as outras pessoas e, eventualmente, também desconfortável o ter de lidar com algumas reações por parte das outras pessoas.
Como, quando e a quem anunciar a gravidez?
Podemos concluir que não existe uma regra ou um caminho certo ou errado no que diz respeito ao anunciar a gravidez. Não há uma forma única de fazer as coisas ou um timing adequado. Este é um processo muito pessoal, e as escolhas devem ser feitas de forma livre por parte de cada grávida ou casal.
No meu caso, houve pessoas com as quais partilhei numa fase precoce (por volta das 8 semanas), por várias razões: porque me iria ser bastante difícil ocultar e esconder; porque sabia que se algo acontecesse podia contar com essas pessoas e não teria de lidar com reações incómodas ou desconfortáveis. A outras pessoas contei um pouco antes de fazer os 3 meses, não só pela diminuição do risco associado à proximidade do fim do 1.º trimestre, mas também porque foi quando me senti preparada e senti que fazia sentido, que era o momento e que o queria fazer. E a outras ainda, contei mais tarde.
Assim, não havendo regras rígidas para se anunciar a gravidez, algumas coisas que podem ajudar a tomar decisões relativamente ao quando, como e a quem, podem ser:
- Perceber o que se vai ganhar e perder com o anunciar a gravidez, quais são as vantagens e desvantagens naquele momento, no caso específico daquela grávida ou casal;
- Perceber o que pode acarretar o anunciar a gravidez, e se se está preparado para isso – as questões que as pessoas podem colocar, nível de envolvimento que podem querer ou tentar ter, etc;
- Identificar necessidades práticas e imperativas de anunciar a gravidez a algumas pessoas – para dar apenas um exemplo, se treina ou faz algum desporto é importante que isso seja partilhado assim que sabe da gravidez com o personal trainer, coach ou professor da modalidade, para adaptar a atividade física. Também no trabalho, se houver riscos (por exemplo, se tem de manobrar determinados equipamentos ou máquinas que podem ser contraindicados a grávidas), também pode ter de anunciar a gravidez logo no início;
- Refletir sobre aquilo que faz sentido, sobre a forma como gostaria de usufruir e de viver a gravidez e as suas diferentes fases e quem quer ou não que esteja envolvido nelas, e de que forma;
- Pensar sobre as pessoas a quem quer contar, e nos diferentes timings para o fazer, pensando por exemplo: se algo acontecer de menos positivo, quero contar com o apoio desta pessoa? Sinto que esta pessoa vai ser capaz de lidar se algo acontecer e não vai “piorar a situação”? (por exemplo, dizer algo desagradável, ou ficar em sofrimento de tal modo que eu é que tenha de a consolar);
- Embora não exista um momento perfeito ou uma forma perfeita para anunciar a gravidez, saiba que é um direito seu fazê-lo à sua maneira e nos seus termos. Deixe claro para os outros se não quiser que eles anunciem a gravidez, pois é um momento seu e quer fazê-lo à sua maneira.
Mais importante de tudo, e em jeito de síntese: escolha aquilo que faz sentido para si. Permita-se a viver a gravidez como uma jornada o mais preenchida de significado e sentido possível, seja o que for que isso significa para si. Torne o caminho menos íngreme e menos solitário, com decisões que lhe façam sentido e que sejam, de facto, respeitadas.